Sofia

Ela despertou quando o despertador tocou, era 07h00min. Espreguiçou-se na cama, com letargia, sem vontade. Sabendo que o dia seria mais um dia, igual ao anterior, que faria tudo igual, mesmo assim criou coragem e saiu da cama. Abriu a cortina, a luz do dia amanhecendo entrou pela fresta da janela. Lá fora era tudo escuro como breu, igual ao dia anterior.

Entrou no banheiro para o banho matinal, mecanicamente sabia que suas ações seriam executadas. Rapidamente terminou, e saiu para o quarto para vestir-se, e como os outros dias, já sabia o que vestir, já havia separado na noite anterior. Seu conjunto de calça e blazer preto, com a camisa fúcsia, que lhe parecia sem graça, mas isso já era normal.

Enquanto escovava o cabelo que não era preto, mas também não era castanho, dirigiu-se à cozinha para o desjejum habitual, colocando a cafeteira ao fogo, tomou seu também habitual suco de laranja, pensando que outra vez não comeria nada, pois já era uma constante. O som da cafeteira e o cheiro do café a tirou dos seus devaneios tomou um longo gole do café sem açúcar, agarrou seu casaco, passou a echarpe pelo pescoço, fechou porta atrás de si, sabia que só se abriria quando voltasse, apressou-se para não se atrasar, outra vez.

Desceu a escada do edifício rapidamente, abriu a porta da rua, o vento frio e gélido bateu em seu rosto, mas ela não sentia frio. Ela passou pelas mesmas pessoas pelas quais passava todos os dias, reconheceu a senhora do quinto andar que saia da padaria com o pão, e o homem sério e misterioso que vivia acima do seu apartamento, que sempre naquela hora voltava com o jornal. Ambos lhe cumprimentaram, ela simplesmente mexeu a cabeça, em um aceno mudo. E o dia começava a nascer, para todos, até para ela.

Depois de andar as três quadras até o prédio onde ficava os escritórios de um dos Buffets de advogados mais conhecidos e conceituados da cidade de , entrou pela porta giratória, fugindo do frio e levando consigo a frieza impressa em si. Cumprimentou o segurança, tomando o elevador para o décimo andar, onde se encontrava sua sala. A secretária, de sempre, com seu cabelo preso em um coque, com o uniforme impecável e seus óculos de casco de tartaruga, comprados em algum brechó da Alameda Franca, estava mais para uma tia solteirona, que para uma secretária em plena atividade.

- Bom dia D. Inês.

- Bom dia Dra. Sofia. Como vai?

Faz frio hoje.

- Estou bem D. Inês, obrigada. O frio não me incomoda.

Peça o meu café, por favor, e traga as pastas que pedi para separar ontem. Obrigada.

- Em seguida as levo junto com seu café.

Ela então seguiu para sua sala, abriu e fechou a porta rapidamente, encostou-se a ela e por alguns momentos ali ficou, sabendo que teria que começar tudo novamente, como quando despertou pela manhã. De alguma maneira teria que começar. Sentou-se a mesa, segurou a cabeça com as mãos, e pediu forças a qualquer força, pois ela já não tinha forças.

A batida na porta a salvou de uma pequena lágrima que pensava em cair. D. Inês entrou trazendo o café e as pastas. Ela agradeceu, enquanto a secretária com cara de tia saía. Pegou cada pasta e olhou sem saber por onde começar, e então automaticamente leu uma a uma, palavra por palavra, sílaba por sílaba. Quando deu por si, era mais de uma da tarde, lembrou que devia comer algo, mas não sentia fome, então pediu um sanduíche e uma Coca-Cola. Comeu em sua mesa de trabalho, enquanto fazia o que tinha que fazer.

Assim passaram as horas, nenhum telefone tocou, ninguém mais entrou na sua sala, ninguém a incomodou, Talvez por saberem que não queria ser incomodada, ou porque tenha pedido. As 17h00min, já cansada de estar sentada, a luz do dia já se apagava e a noite de inverno chegaria em minutos. Vestiu o casaco, pegou sua bolsa e saiu. Passou pela sala dos seus colegas sem nada dizer, a secretária a olhou por cima dos óculos, dizendo:

- Boa noite Dra. Até amanhã.

- Boa noite D. Inês.

Saiu outra vez, como todos os dias, fazendo as três quadras que faltavam para esconder-se em seu refúgio. Andando quase correndo com a cabeça abaixada para fugir do vento. Entrou na Delicatessem perto da sua casa, comprou uma soupe aux pois, não sentia ânimo para cozinhar, e um Cabernet Sauvignon Napa Valley, porque foi o primeiro que olhou, não queria perder tempo em procurar seu vinho de preferência. Com as sacolas em uma mão, e as chaves na outra, abriu a pesada porta de madeira do seu edifício, subiu os lances de escada que faltavam para seu esconderijo, e então chegou para mais uma noite, igual a anterior.

Largou a sacola com a compra em cima da mesa, tirou as botas, (essa era a melhor hora do dia), dirigiu-se ao quarto para trocar o conjunto preto pelo roupão branco e gasto, mas que ela não abria mão. Colocou as meias e voltou à cozinha. Abriu o vinho, com vagar, para ela era um ritual, serviu sua taça de cristal que lhe acompanhava pela vida toda, ou desde que ela lembrava. Pensou em comer a sopa, mas decidiria mais tarde, se tivesse fome.

Colocou uma música calma, clássica e com a taça de vinho na mão, abriu a cortina e olhou a noite lá fora. Como na noite anterior, ela sabia como seria a noite, seria como foi o dia, mecânica e automática, como era sua vida. Nada acontecia, a família distante, já não se importavam muito, acreditava. Os amigos, quase nenhum restava, todos estavam casados, com filhos, e com a vida corrida, ou já nem lembravam dela. Sentia-se vazia, sem nada, nem ninguém. E assim ela seguia, só, esperando pelo novo dia que viria. Um dia igual a tantos, um dia igual ao anterior (...)