Zélia

Zélia, esse o nome da menina que veio morar próximo a minha casa. Engraçado como ainda me lembro da sua voz levemente rouca e dos seus cabelos sempre 'desgrenhados'. Ela usava chinelos de dedo que percebemos serem bastante gastos. Demorou alguns tempo até que nós (as meninas) a aceitássemos ou pelo menos, não saíssemos correndo deixando-a sozinha. Hoje percebo que as crianças, às vezes são cruéis, mesmo não desejando ser. Zélia não usava as mesmas roupas que nós, não frequentava a Escola Paroquial e não tinha a mesma infinidade de brinquedos mas, parecia ser feliz brincando com seus 'caquinhos' e latinhas. Sua mãe trabalhava na casa dos Garcia, cuidando da bisavó da Eloína - a italianinha, e por isso vieram morar na casinha dos fundos da quitanda. O seu pai, pouco se via, era um homem sisudo que caminhava rápido e desaparendo no estreito corredor que dava acesso à casinha dos fundos. Estava desempregado e fazia 'bicos' aqui e ali para garantir o sustento da família. Logo que se tornaram no "nossos vizinhos",  minha irmã fez amizade com a mãe da Zélia e com seu irmão mais novo, o Giovane que passou a ir todas as manhã ao portão da nossa casa, chamando pela minha mãe, perguntava: " Dona Iracemiiii, tem pão seco?" Todos os dias por volta das 9:00 horas,  minha mãe separava um pão Baguete e pedia a Susana para que entregasse a ele, lá no portão.  Certo dia estávamos todas brincando ( Bete, Márcia, Lurdinha e eu) no telhadinho da lavanderia da casa da Bete e como o telhadinho era mais alto que o muro, conseguimos ver a Zélia também brincando de casinha. Ficamos de boca aberta e olhos arregalados. Suas panelinhas que podiam ir ao fogo!!! E ela estava fazendo "comidinha" num fogãozinho que queimava lenha! Aquilo foi a gota d'água, descemos do telhadinho e fomos até lá para poder ver de perto, já que as nossas panelinhas eram pequenininhas e mesmo sendo de alumínio não podiam ir ao fogo e nem tínhamos fogãozinho de verdade.  Zélia, com toda boa vontade e irrelevando nossas grosserias de outras vezes, nos deixou entrar e fomos convidadas  a conhecer sua 'casinha' improvisada. Contou que seu pai fez as panelinhas e o fogão à lenha. Nossa! Ficamos de queixo caido com aquilo tudo. O fogão foi feito de uma lata de alumínio, dessas de 20 litros, da qual ele retirou a tampa e revestiu por dentro com argila. Fez um furo na parte o fundo onde colocou um chaminezinho feito de folha de flandres. Numa das laterais da lata ele fez quatro recortes e era onde se colocavam a panelinha para cozinhar. Na parte da frente tinha a abertura onde eram colocados os gravetos e se ateava fogo. As tais panelinhas eram latinhas de oleo cortadas pela metade e com um cabo de madeira que ele mesmo rebitava. A frigideirinha feita de lata de sardinha! Tinha a chaleirinha, e muitas outras panelinhas. Então, diante da nossa cara de bobocas, ela calmamente contou que seu pai era funileiro, por isso sabia fazer aquelas coisas. Nós nem sabíamos o que era 'funileiro' mas, imediatamente começamos a gostar e daquele dia em diante, Zélia passou a brincar conosco no telhadinho da lavanderia da casa da Bete e nós ganhamos varias panelinhas. Zélia estava muito bonita em seu vestido rosa quando nos formamos na Escola Paroquial. No ano seguinte, Bete, Márcia, Lurdinha , Zélia e eu fomos todas para o Colégio Estadual. Infelizmente o mundo da tantas voltas e sua família acabou se mudando da casinha dos fundos e acabei me perdendo de Zélia. Há alguns anos, soube que ela morava em Alto Paraná mas, não consegui saber mais nada. Então, hoje sem mais nem por quê, me lembrei dela e do seu irmão Giovane e me pareceu ouví-lo chamando minha mãe: "Dona Iracemiiiiiiií, tem pão seco?"

 

Luciah Lopez
Enviado por Luciah Lopez em 09/06/2013
Reeditado em 20/10/2021
Código do texto: T4332877
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