UM DIA CHUVOSO

 
Para quem vive nas grandes cidades um dia chuvoso é chato dificulta a locomoção, é incomodo ter que carregar guarda-chuva e pode ser até um transtorno dependendo do lugar que mora. A maioria das grandes cidades cresceram desordenadamente sem planejamento algum, e a existência de um rio que a atravessa pode gerar um caos quando chove pesado.
     
Nas ruas, devido a falta de escoamento que comporte o volume de água somando a falta de educação de algumas pessoas que insistem em jogar lixo nas ruas, mesmo vendo toda vez que há enchente a quantidade de sujeira que entope os bueiros causando alagamentos.
     
Mas o quero dizer é quem vive hoje na cidade, mas tiveram a sua infância no campo com certeza recordarão o que vou contar.
     
No campo um dia chuvoso é tão belo quanto um dia de sol, com as características que lhe são próprias, tenho gravadas na memória muitas cenas bonitas daquelas chuvas tão esperadas depois de um longo período de estiagem , onde a paisagem triste parecia clamar por socorro.
   
Quando a seca prolongava-se muito, principalmente em ano de geada, surgiam as dificuldades nas pastagens secas que além de não servir de alimento para os animais tornava o risco de incêndio ainda maior, o que ocasionalmente ocorria.
   
O gado emagrecia as vacas de leite eram tratadas no cocho com cana picada e farelo de milho, algumas acabavam morrendo de fraqueza.
     
Quando isto acontecia o povo da fazenda se mobilizava, era hora de tomar uma providência, apelar para santos. Era a novena para pedir chuva, as mulheres e as crianças pegavam garrafinhas de vidro enchiam de água e saiam em procissão rezando e cantando, o destino era uma santa cruz que havia na beira da estrada.
     
Vou explicar o que é santa cruz, era um costume do povo antigo, onde morria uma pessoa colocava-se uma cruz, e ali plantavam flores, colocavam imagens de santo, em casa quando quebrava uma imagem, não podia jogar fora levava-se a santa cruz.
   
Voltando a novena, a estrada principal da fazenda saía da sede para a cidade, logo perto tinha uma curva a esquerda e uma subida, a partir desta curva começava à direita da estrada uma carreira de moitas de bambu que acompanhava-a até chegar na estrada municipal há uns dois quilômetros
     
Logo que começava o bambuzal, era uma subida de pedregulhos, depois um mata-burro com uma porteira ao lado, em seguida outra curva a direita, um pouco mais adiante do lado oposto ao bambuzal em cima de um barranco que tinha como uns degraus pra subir, estava a velha santa cruz cheia de flores, imagens de santos quebradas, terço enrolado na cruz, era para lá que seguiam em procissão.
     
Chegando ao local ainda rezando todos despejavam a água no pé da cruz, feito isso com aquela sensação de dever cumprido, todos voltavam agora já conversando brincando. Se não chovesse este ritual se repetia por nove dias.
     
Quando vinha a chuva era uma alegria, ainda maior se tornava ela quando ela caia calma e contínua o dia todo com pequenos intervalos, viam-se os animais no pasto, alguns corriam felizes já sentindo que as coisas melhorariam, e a tarde quando limpava o tempo apareciam a aleluias eram tantas que quase formavam nuvens.
     
Depois de alguns dias o cenário era outro, o verde das pastagens voltava, as árvores lavadas da poeira tinham mais vida, o tom de verde intensificava começavam aparecer as flores nos campos, tudo era mais bonito.
   
Estando na roça, um dia chuvoso apesar de ser um pouco dificultoso para os trabalhadores, também tem sua beleza. Na lavoura tinham poucos, mas tinha alguns ranchinhos de sapé feito para este fim, quando dava sorte de estar trabalhando perto de um num dia desses tinha mais conforto, se não o jeito era se enrolar em pedaço de plástico comprado ou feito de sacos de adubo aberto e costurados uns aos outros e procurar um lugar para sentar e esperar a chuva passar.
     
Ficar dentro de um ranchinho de sapé conversando e vendo a chuva cair lá fora era muito gostoso, olhando uma lavoura de milho com aquele verde forte, uma roça de feijão bem formada, um cafezal carregado de frutos vermelhos e verdes, olhar um mato onde as copas daquelas árvores centenárias balançam suavemente tocadas por um vento leve que faz a chuva cair inclinada, quando esta parava ouvia-se no mato diversos pássaros cantando, as árvores ainda pingando água, era muito bonito de se ver.
     
Quando em casa, logo perto passava um rio que nascia dentro da fazenda, num grotão bem para cima indo para as lavouras, ele vinha se avolumando recebendo toda água que corria dos morros.
     
Ao passar perto da colônia a enchente já estava forte, às vezes a noite dentro de casa ouvia-se o ronco das águas correndo.
     
Durante o dia as crianças e adultos desciam até o rio para ver a enchente que vinha arrastando moitas de capim, pequenos arbustos, lascas de cerca tudo naquela água vermelha que passava rápido debaixo da ponte, ficavam sempre a uma distância da margem por segurança pois havia o risco de desbarrancar.
     
Ao povo da cidade, que andam estressados com a correria do dia-a-dia que enfrentam as dificuldades do trânsito que aumentam em dias de chuva devido aos alagamentos que causam congestionamento, quando estiverem presos no trânsito e maldizendo o tempo, pensem que existem lugares onde a chuva transforma a paisagem tornando-a um belo cartão postal.
     
A natureza é perfeita em tudo que faz é a ação do homem que provoca o desequilíbrio.
João Batista Stabile
Enviado por João Batista Stabile em 23/06/2013
Reeditado em 10/04/2021
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