VIDAS EM CONFLITO

Vidas em conflito

Denise Flor©

Leone saiu do escritório onde trabalhava há 15 anos, já passavam das dezenove horas, pelo cargo de chefia que ocupava era imperativo para ele ficar até depois do horário para certificar-se que estava tudo em ordem, sua responsabilidade era grande.

Pegou sua pasta e dirigiu-se até o pátio da empresa, entrou no carro e rumou na direção da sua casa, dirigia com toda atenção como sempre.

Chegou a pouco mais de 30 minutos, guardou o carro na garagem que estava escura a essa hora, trancou o portão principal que dava acesso à rua, pois sua bela casa era de esquina e sem muita pressa entrou pela porta da cozinha, dirigindo-se para a sala. Não tinha a menor pressa já que há tempos não tinha mais ninguém para esperá-lo, tudo era quieto e sem cor. Seus passos cansados ecoavam no ar daquela casa que um dia fora um lar muito feliz.

Todos os dias ao chegar, cumpria o mesmo ritual tristonho:

Acendia as luzes da sala, sentava-se na poltrona de couro que era sua favorita e ficava olhando para a parede, olhar parado, perdido no tempo que não saiu mais da sua memória, tempos bons, tudo era diferente com sua esposa Raquel, mulher bonita, inteligente e elegante e sua filhinha Talita, menina linda de seis anos de idade que habitavam naquela casa, enchendo o ar e seu coração de alegria e felicidade.

E as lembranças pareciam ter vida porque às vezes falava em solilóquio para espantar talvez a tristeza que sentia, dizia:

-“Gostaria tanto que o tempo recuasse tudo seria muito diferente!”...

Muitas e muitas vezes ele dizia isso pra si mesmo, mas sentia intimamente que seria difícil uma reconciliação. Já se passaram anos desde a separação com Raquel e sua filha na época ainda estava com três anos e nada entendia do que acontecia na vida do casal, melhor assim repetia...

Quase não se alimentava como deveria e dormia sempre um sono sem tranquilidade, agitando-se durante a madrugada. A cama agora era enorme só para ele, mas nunca quis se deitar do lado que pertencera a Raquel, achando que assim poderia mais facilmente conformar-se com sua ausência.

As horas passando no seu ritmo normal e ele permanecia apático, sentado sem vontade de sair de lá. Em dado momento pareceu ter sido despertado por alguém, chacoalhou a cabeça como que para acordar de algo assim como um sonho e retornou à sua rotina mesmo que não tivesse ânimo para tal.

Foi para o seu quarto, despiu-se e entrou no banheiro para tomar uma ducha que certamente o reconfortaria após um dia estressante de trabalho.

Olhou-se no espelho e notou como sua barba estava feia, mal cuidada e resolveu barbear-se com calma, afinal ele tinha uma imagem a zelar sendo Diretor de Marketing de uma grande empresa, servindo de exemplo aos demais; Ao término, olhou-se atentamente e gostou do que viu sua pele clara e bonita agora estava mais a mostra com a retirada dos pelos supérfluos. Entrou no box, ligou a ducha e tomou seu banho habitual, demorando-se um pouco mais do que o costumeiro; Enquanto banhava-se pensava como seria bom ouvir risos de criança novamente pela casa, agora tão fria, silenciosa e solitária.

Mesmo sendo uma linda casa bem arejada com três quartos, duas salas, dois banheiros, uma cozinha grande e funcional, amplo quintal e garagem para três carros, naquele momento para ele nada significava, pois não estavam nela as duas mulheres da sua vida. Lamentava-se:...”quanto tempo demorei a perceber que tinha tudo para ser muito feliz e por negligência permiti que partissem da minha vida!”.

Já passava das 22horas quando de repente o telefone toca para sua surpresa.

Desde a separação pouca ligação recebia, já que com o tempo, foi afastando-se das pessoas do seu convívio, optando assim pelo isolamento. Saiu rapidamente e atendeu do seu quarto mesmo, a ligação inesperada era de Raquel... Ao ouvir a voz dela, seu coração parecia sair pela boca enquanto ela dizia-lhe boa noite e ele quase que gaguejando, respondeu-lhe boa noite. Nesse momento ele sentiu-se como se estivesse anestesiado tamanho o impacto que sentia; Procurou respirar fundo e manter-se calmo para ouvi-la e saber do que se tratava aquela ligação numa hora daquela.

Pensou em Talita, será que acontecera algo com ela?... Procurou acalmar-se e esperar que Raquel falasse qual o motivo da ligação. Ela parecia-lhe meio tensa, ou seria cisma dele?...Sua cabeça rodava tal o contentamento ao ouvir aquela que ainda habitava em seu coração entristecido.

Ela disse: - Desculpe-me por ligar a essa hora, não quero incomodar, só gostaria de dizer que especialmente hoje, a saudade invadiu minha alma com muita intensidade e eu necessitava muito ouvir sua voz para acalmar essa ansiedade.

Ele ao ouvir isso esboçou um largo sorriso e seu coração batia tão acelerado, que pensou por um minuto não aguentar a explosão de alegria que ela causara-lhe com aquelas palavras tão sentida e que soaram no seu ouvido como hino de anjos. Alguns minutos passaram e ele recobrou-se do impacto, agora parecia que seu corpo e coração haviam sido curados com o bálsamo do amor de Raquel... Sim pensava ele, ela ainda me ama, eis a confirmação, ela não me esqueceu!

Como um adolescente, sentia-se agora revigorado e sorrindo respondeu-lhe sem medo: - Eu sinto muito a sua falta e de Talita, minha vida é triste e vazia sem vocês.

Quero te encontrar para conversarmos naquele café, nosso favorito, você aceitaria?

Ela hesitou alguns instantes, em seguida disse que sim...

Leone não conseguia conter-se, após três anos de separação, sentia-se novamente vivo.

Já mais calmo, marcou para o dia seguinte às dezenove horas com o consentimento dela. Em seguida ela despediu-se de Leone com uma boa noite muito terna que o deixou sem palavras, disse apenas: “até amanhã, um beijo”.

Ele estava no paraíso e não iria perder essa oportunidade que o Senhor da Vida concedera-lhe para refazer o seu lar. Há muito queria pedir perdão à Raquel e ficava com receio de ser rejeitado, mas agora não, ele tinha plena certeza que tudo se resolveria o mais breve possível e eles seriam uma linda família novamente.

Deitou-se para tentar dormir, agora só pensando no dia seguinte e fazendo planos mentais, até que exausto adormeceu placidamente.

No dia seguinte mais animado, desceu para a cozinha e lá estava Dolores, sua empregada de muitos anos, montando a mesa para o seu desjejum que estava especialmente caprichado, parecia que Dolores antevia sua alegria. Olhando aquela fartura toda, uma fome afoita agora reclamava mais alimento, ele sabia que era sua chance nesse dia esperado que o fizesse renascer. Terminou o seu café, despediu-se de Dolores, deixando algumas recomendações; Apanhou as chaves que estavam no móvel da sala e fechou a porta. Retirou o carro da garagem, ansiando pela hora de encontrá-la, a sua sempre sua Raquel. Só de pensar nela seu peito soltou um suspiro, sim ele amava aquela mulher como nunca amara outra em toda vida.

O dia passou como sempre agitado, mas sem muitas novidades. Estava inquieto aguardando a hora aprazada para vê-la.

Saiu para almoçar e desta vez alimentou-se muito bem como há tempos não o fazia e até degustou com mais prazer aquele peixe grelhado que pedira, acompanhado de arroz branco e aspargos. Terminado o almoço, pediu um café, pagou a conta e saiu para o escritório... Agora as horas passariam mais rapidamente.

Final de expediente, ele pega seu paletó que descansava em sua cadeira executiva e coloca-o sobre os ombros. A expectativa do encontro era muito grande e suas mãos suavam como as de um garoto com a primeira namorada.

Chega ao local marcado, um aconchegante café decorado com bom gosto e sofisticação, com várias mesinhas de imbuia torneadas, assentos estofados de vermelho, espalhadas estrategicamente pelo ambiente confortável.

Ele entra, olha para todo lado e não a vê. Consulta o relógio ainda faltam 15 minutos para as dezenove horas... Senta-se na mesma mesa de antes e pensa: “tudo vai ser perfeito”.

Passados alguns minutos eis que Raquel adentra o local, ele a olha dos pés à cabeça admirado e pensa: “O tempo fez muito bem pra ela, está ainda mais linda!”. Ela o vê, sorri com seus dentes brancos e perfeitos, aproxima-se da mesa e sente vontade de abraçá-lo, mas se contém. Ele imediatamente puxa a cadeira para ela sentar-se a sua frente.

De início um pouco de constrangimento, porque afinal foram três anos afastados, muitas coisas aconteceram nesse período, mas agora não vinham ao caso.

Começaram a conversa com amenidades, permeando o que realmente deveria ser abordado. Ele, como a perscrutar-lhe o íntimo, fixava seu olhar nos dela, já ansiando falar-lhe sobre o que naquele momento os trouxera até ali. Respirou fundo, pegou as mãos dela que estavam frias, olhou-a com ternura e disse: - Não teve um só dia nesse tempo todo, que eu não pensasse em você e na nossa filha... Sofri você também sofreu e aprendi com a dor que o meu amor é tão grande, que fica impossível eu viver sem tê-las ao meu lado, fazendo parte da minha vida, por isso nesse momento com toda sinceridade que já é sabedora, quero pedir-lhe perdão por tudo que causei à vocês, pelas minhas ausências trabalhando demais para dar-lhes todo conforto e segurança. Esqueci nesse tempo o mais importante, a minha atenção para com vocês, o meu carinho e amor, mesmo que dentro de mim esse amor jamais se extinguira, eu apenas deixei de demonstrar.

“Mantendo as mãos dela entre as suas e olhando firme para ela perguntou novamente: - Raquel, você me perdoa?... Ela por sua vez muito emocionada, deixou que as lágrimas vertessem soltas caindo sobre seu vestido e respondeu-lhe: - Sim, eu te perdoo porque o amo muito também e quero que sejamos novamente uma família feliz. Sofremos com nossos erros e estamos mais maduros com as lições que a vida nos propôs a aprender. Vamos nos esforçar para esquecer o que passou e daqui para frente, somente amor, paz e compreensão”.

Raquel retirou suas mãos das dele, enxugou suas lágrimas com um lencinho todo bordado que ele lhe dera há anos e ainda o mantinha com muito carinho, pois ele trazia lembranças ternas de um dos vários momentos lindos que vivenciaram juntos.

Recompôs-se, olhou para ele e pediu: - Leone meu amor, vamos buscar nossa filha querida e voltarmos agora mesmo para nossa casa?

Ele mais do que depressa, pagou a conta dos cafés que tomaram, saíram felizes e abraçados. As estrelas naquele momento tão feliz de ambos pareciam brilhar muito mais, como uma bênção a iluminar os seus caminhos tão repletos de amor!

Denise Flor
Enviado por Denise Flor em 24/06/2013
Reeditado em 29/06/2013
Código do texto: T4355540
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.