AMIGOS E RIVAIS

Era sempre assim, eles implicavam a todo momento, de certa forma que alguém pudesse pensar que eles se odiavam. Felipe era do tipo que vivia, até demais às vezes, deixando algumas responsabilidades em segundo plano. Fernando era quase seu oposto, era capaz de esquecer de si mesmo para que se mantivesse produzindo e sempre cumprindo alguma responsabilidade. Quando não tinha, arranjava sempre um jeito para que aparecessem aos montes. Apenas uma coisa os dois concordavam: ciclismo, era a paixão dos dois. Havia uma corrida que era uma espécie de rally para bicicletas onde muito importava o caminho (que não era o único) que seria adotado. Mas, ainda faltavam duas semanas para tal corrida.

Felipe via em Fernando algumas vezes um misto do que admirava junto com várias outras coisas que repudiava. Algumas atitudes dele o chocavam, apesar de entendê-las de certa forma, mas sem jamais concordar com elas. Via por exemplo que Fernando era uma pessoa bem mais segura e arrumada afetivamente. Ele próprio se via como um poço de insegurança e até uma certa dose de solidão no assunto, embora que isso de pouquinho em pouquinho caminhasse para uma solução.

Mesmo com tanta diferença nenhum dos dois negava ajuda em alguma coisa que o outro pedisse. Viviam cada um do seu lado com suas convicções que vez por outra batiam de frente. Então, diante disso, qualquer disputa entre os dois era recheada de muita rivalidade. Os dois aguardavam ansiosamente essa corrida, nenhum queria chegar após o outro.

Muitas regras deviam ser cumpridas e a corrida seria em terrenos montanhosos e de longa duração. Felipe, por incrível que pareça, estava melhor preparado para a corrida. Não só fisicamente, mas nada em sua cabeça o atormentava. Já Fernando vivia um mau momento psicológico, pois estava brigado com sua namorada de anos, a qual todos acreditavam ser sua futura esposa.

É chegado o dia e a hora da corrida, e fora explicada a eficiente sinalização de todo o trajeto de todos os caminhos possíveis. Marcas indicando a distância ao destino final(que esse sim era o mesmo) estavam espalhadas por toda a parte. Ambos ouviram atentamente todas as instruções e partiram tentando a vitória assim que foi dada a largada.

Felipe escolheu um caminho que parecia mesmo ser o mais fácil e rápido enquanto que Fernando escolheu outro um pouco mais acidentado. Estavam eles muito próximos, cada um pensando onde o outro estaria. O desespero na cabeça de Fernando era maior. Afinal perder para seu rival seria só o que faltava pra tudo piorar de vez.

Metade da corrida, Fernando não sabia, mas encontrava-se um pouco a frente de Felipe. Havia acabado de passar por uma marca que indicava 4200 metros de distância do destino final. Felipe só chegaria em marca parecida uns cinco minutos depois. Estava realmente Fernando muito concentrado e empenhado em vencer. Tanto que nunca tinha percebido estar em uma colocação tão boa em uma corrida. Era o terceiro lugar enquanto que seu rival era só o oitavo.

Faltava agora um quarto da prova e então Fernando na passagem ouvia uma música que o lembrava de seu martírio sentimental. Mesmo assim era o segundo colocado agora e parecia que poderia chegar em primeiro. Quando começava a chover forte. Era sabida a habilidade de Felipe quando as condições pioravam. Logo ele foi passando e passando e já era agora quinto lugar.

E Fernando se surpreendia ao constatar que tinha recebido o 1º posto quase que de graça. O até alguns segundos atrás líder aparecia ali em sua frente com dificuldades de locomoção em sua bicicleta. Devia ter passado por algum lamaçal pesado, era o que pensava Fernando ao ver o estado deplorável da bicicleta daquele competidor.

Por outro lado a corrida caminhava para um final emocionante, pois Felipe já era o 3º e se aproximando rapidamente do 2º colocado. O uso de celular era importante, pois os competidores recebiam informações sobre a pista através dele. Felipe tinha descartado essa ajuda.

Fernando chegava a marca dos 500m do fim e via a vitória se desenhando cada vez mais, sendo agora seguido por seu maior rival que sempre escolhia um trajeto diferente. Fernando há muito sonhava com uma notícia daquela que ele sempre quis como companheira. Eles haviam brigado e faziam umas duas semanas que não se falavam.

Eis que em plena prova, abaixo da mais tremenda chuva e em uma hora tão desconcertada aquela ligação tão aguardada acontece. Era sim Janaína, ela mesma. Agora ele nem lembrava mais que estava em uma corrida. Nem notou quando Felipe passou feito um raio e ficou meio sem entender sua vitória. Mesmo assim Felipe não se poupou de desejar loucamente que alguém que estivesse muito longe dali estivesse o esperando na linha de chegada.

Felipe que sabia dos problemas de seu rival ganhou a corrida e ficou com certa sensação de culpa, pois teria ele sido motivo pra mais uma frustração de seu rival. Sentia isso estranhando a si mesmo, mas ao mesmo tempo compreendendo que aquilo provava que além de rivais eram amigos. Mal sabia ele que Fernando tinha acabado ganhar algo bem mais precisoso. Algo que só foi desconfiar quando seu rival chegou lhe parabenizando com um sorriso enorme no rosto. Indagado por Felipe, Fernando só respondia que estava muito feliz. Então Felipe lembrava daquela imagem que imaginava em sua cabeça, e perguntava a si mesmo quando seria possível. E então que Felipe havia vencido, mas só não sabia se tinha ganho mais do que aquele dia tinha oferecido a seu rival. Na verdade trocaria de posto com Fernando em troca de seu sonho de linha de chegada.

Frank Santos
Enviado por Frank Santos em 03/04/2007
Reeditado em 03/04/2007
Código do texto: T435645