A VIDA EM DUAS RODAS

A VIDA EM DUAS RODAS

Com muita dificuldade e suor derramado aos baldes, Antenor, um mecânico de carros paga suas contas com certo atraso, um atraso aceitável, pois a maioria de seus credores trabalha mesmo com caderneta, o conhecido “vale”. Antenor compra apenas o necessário para sua sobrevivência: itens da cesta básica, produtos de limpeza e alguns mimos aos finais de semana como: uma lata de doce ou refrigerante para o almoço de domingo. Economizando as passagens de ônibus ao trabalho, conseguiu uma pequena entrada para comprar uma motoneta, financiando o restante da dívida em suaves 60 parcelas. Foi um dia de muita alegria, saiu para passear pela cidade com sua mulher Rosinha, se sentindo o próprio Ernesto Guevara de La Sema, no filme Diário de motocicleta. Um aventureiro arrodeando a pracinha da matriz com sua “potente 50cc”, de luvas, capacete e as botas do E.P.I. da oficina onde trabalhava.

Rosinha gostava muito de Antenor, só não gostava mesmo da falta de grana no orçamento familiar, Rosinha era bonita e vaidosa, e gostava de gastar com algumas futilidades o pouco dinheiro que ganhava como diarista em casas de família. Certo dia, em uma faxina na residência do vice-prefeito, ela foi assediada com elogios, pelo corpo que mantinha sempre em forma devido ao trabalho duro, não aconteceu nada, mas Rosinha recebeu além do dinheiro pelo trabalho, um belo vestido que era da falecida mulher do Sr. Diogo Falcão. Ela ficara encantada com o vestido e os galanteios com palavras difíceis e sensuais que vinham do vice-prefeito, coisa que Antenor não fazia, não pela falta de vontade ou por não ama-la, mas sim pela pouca instrução que havia recebido durante sua vida escolar. E como sempre foi muito dedicado ao trabalho, não lhe sobrou tempo para aprender a ser um cavalheiro um conquistador um Don Juan. As faxinas na casa do Sr. Diogo Falcão eram cada vez mais frequentes, e o que era apenas elogios, passou a ser toques sutis, evoluindo para beijinhos de despedida. O inesperado aconteceu.

Sr. Diogo Falcão e Rosinha transaram pela primeira vez, na cama do casal, com direito a velas aromáticas, massagens tântricas e Moet chandon. Rosinha ficou perdidamente apaixonada e encantada com tamanha luxuria: uvas, morango com chantilly, óleos de chocolate e lingerie Prada, eram algumas armas que o esperto Sr. Diogo Falcão usava para conquistar aquele coração ingênuo.

A traição chegou ao conhecimento de Antenor. Coitado, o pobre mecânico ficou arrasado, cheio de dívida da moto, e agora sem mulher, mulher que ele amava profundamente. Abatido e com a autoestima lá em baixo, Antenor dedicou-se cada vez mais a seu trabalho. Trabalhava duro durante o dia e até fazia serão para aprontar os carros dos clientes, que por vezes lhe colocavam uma graninha a mais em seu bolso. Numa noite de sábado, voltando para casa já tarde da noite, deparou-se com um senhor que tinha seu carro enguiçado na entrada da cidade, era um puta carrão, o homem estava muito preocupado porque tinha um compromisso inadiável e precisava chegar ao destino como sem falta no dia seguinte. Prontamente e com uma competência impar, Antenor varou a madrugada consertando o carro daquele senhor que lhe parecia ser uma pessoa importante, o homem muito agradecido lhe pagou afortunadamente para os padrões locais, e lhe pediu um telefone para recompensa-lo ainda mais. Na semana seguinte, recebeu um telefonema do tal senhor, que lhe convidara para passar o final de semana em sua casa na capital. A vida de Antenor teria outro destino a partir daquela visita, O tal senhor era dono de muitas revendas de automóveis, e o convidou para trabalhar em uma de suas lojas como mecânico. Seu desempenho agradou a todos, desde os clientes mais simples até o dono da revenda concorrente, sua ascensão foi rápida, logo passou a gerente, e em pouco tempo, coordenava as oficinas de todas as lojas. Fez cursor de aperfeiçoamento, reciclou seus conhecimentos e aproximou-se da família do patrão, que tinha uma linda filha. Antenor tinha o maior apreço por todos, e inevitavelmente Helena, única herdeira do império, acabou se apaixonando por ele que era o braço direito de seu pai. Uma semana após o casamento de Antenor e Helena, morria aquele senhor que um dia lhe deu a oportunidade de subir na vida de forma honesta e com muito trabalho. Foi uma comoção, Helena se apegava cada vez mais a seu marido, especialmente quando soube que estava gravida. O Antenor dirigia todo grupo de concessionárias com excelência, os negócios prosperaram ainda mais, e Antenor passou a ser o homem mais forte e rico da região. Quando em uma convenção política seu nome foi citado como principal apoio a campanha do governador, ele recebeu em seu escritório o candidato que sabia exatamente quem era: o cara que havia roubado seu amor. Ele, o Diogo Falcão, não fazia a menor ideia de que se tratava do ex-marido de sua mulher, pois, ela jamais tocou em seu nome depois de se envolver amorosamente com o amante, e Antenor já estava na capital havia uns 15 anos. Nesta reunião, estava também a futura primeira dama do estado. Rosinha agora sendo tratada pelo seu nome de batismo e sobrenome do marido: D. Rosangela Falcão. Foi apresentada pelo seu esposo como a primeira dama, apenas como faixada de um casamento que não existia, mas mantinham as aparências. Em dado momento, o Sr. Diogo retirou-se da sala para ir ao sanitário, quando D. Rosangela visivelmente constrangida, falou para o Antenor em segredo: “Eu daria tudo para ter o amor mais sincero que conheci em toda minha vida, hoje não tenho, nem sou digna de fidelidade alguma, não conheço mais o que é carinho de verdade, mesmo que seja num simples passeio de motoneta pela praça”, hoje sou apenas uma faixada de casamento, que se esvaiu com a futilidade dos “Armani”. Antenor respondeu-lhe com uma única e sábia frase, deixando o coração traidor de Rosinha ainda mais apertado: Pelo visto, as rodas do amor e da fortuna não estacionaram, nem pra mim nem pra você! né Rosinha? Vou aguardar a próxima rodada, retrucou D. Rosangela Falcão, talvez possa ter meu amor de volta e lhe oferecer o que sempre tive a seu lado, e não soube valorizar. O Sr. Diogo, que escutara parte da conversa quando retornava do banheiro, ficou completamente constrangido, e saiu da sala sem mais uma palavra. Quatro meses depois, publicou-se nos jornais, um bilhete escrito de próprio punho, pelo derrotado candidato a governador Sr. Diogo Falcão, que dizia: “não culpem ninguém pela minha morte, tirei minha vida, porque fui vítima de minha própria traição. As rodas do amor e da fortuna, também giraram para mim, Rosinha.” Dilacerando por completo todo sentimento de quem um dia traiu, mesmo que por encantamento de futilidades que naquela época jamais sonharia em ter.

M. C. MEIRA 02/07/2013

MAERSON MEIRA
Enviado por MAERSON MEIRA em 02/07/2013
Reeditado em 02/07/2013
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