QUANDO A VIDA LHE DÁ UM XEQUE-MATE

QUANDO A VIDA LHE DÁ UM XEQUE-MATE

Encolhida em um canto perto da marquise da ponte, estava uma jovem mulher. Cabelos pretos, escorridos e sujos. Olhar perdido em um mundo que não mais conhecia. Lágrimas quentes escorriam por sua face, antes bela e cheia de vida. Logo abaixo, o rio de águas translúcidas e cheias de vida, emoldurado por lindas e pequeninas flores em suas margens. Era, pois, o paradoxo do que se passava dentro no interior daquela pobre criatura. Por isso ela escolhera aquele local, como seu novo lar.

E essa criatura de nome Vitória, representava a derrota de uma vida. Seus pensamentos, eram as únicas coisas que se moviam em seu corpo inerte. Iam do passado ao presente numa velocidade que chegava a incomodar. A vida resolvera lhe ensinar da pior maneira possível. Perdera seus bens, sua dignidade, sua saúde e tudo o que um dia lhe fora importante.

Outra lágrima desceu quando se recordou da menininha levada que vivia cercada de amigos e amigas que lhe adoravam. Naquela época não tinha muitas posses, mas era feliz dentro da pureza do seu coração. De personalidade forte, sempre soube o que desejava viver no futuro. Nos seus sonhos repousavam uma grande família: um marido que envelheceria ao seu lado e três ou quatro filhos. Ah! Tinha também o grande castelo de vidro que abrigaria tão queridas pessoas.

Crescera embalada por doces ideais. Estudou, trabalhou e casou. Tinha 17 anos e estava exultante. A igreja estava ricamente decorada e seu vestido branco esvoaçante, acompanhado por um bolero de renda espanhola lhe deixavam muito mais bela.

Anos depois, tivera sua filha Amanda. Uma criança linda. Parecia a Branca de Neve, pois sua pela era tão clara que permitia se vissem as suas pequenas veias. Seu sonho estava se realizando e como era gostoso tudo aquilo!

Não durou muito aquela união. Foram cinco anos e meio. Agora lhe restava recomeçar. Um breve sorriso surgiu em seus lábios azulados pelo frio da tarde que se aproximava. Seu corpo magro começava a se ressentir da brisa gelada que começava a cair. Procurou por seus farrapos. Forrou o chão com papelões encontrados pela vizinhança e se deitou. A noite seria longa.

O que esperar agora? Um misto de desespero, desencanto e fadiga lhe tomava o ser. A fome lhe castigava o estômago. Não conseguiria dormir. Teria que sobreviver a mais uma terrível noite de medo, frio, solidão e fome.

Acordou com os raios de sol a esquentar seu cobertor de papelão. Encolheu-se em sua própria angústia e fechou novamente os olhos. Sentiu que algo lhe tocava o ombro. Assustada, deu um pulo para trás com o coração acelerado. Seria algum bicho? Firmou seu olhar e deu de cara com uma criança de seus 10 anos, bem juntinho dela. Viu que lhe estendia um pequeno prato com pedaços de pão, um copo de leite e algumas bolachas. Vitória não conseguia se mexer. Estava perplexa, afinal morava ali há mais de ano e nunca havia recebido ajuda de ninguém. As pessoas costumavam olhar para ela, com nojo, desprezo e até raiva. Gestos de amor, compreensão e auxílio não existiam naquele bairro. Ela era, apenas, uma caminhante invisível, mais uma na imensa multidão de egoístas e desalmados.

Aquela pequena criança, tão loira e tão gentil, insistia para que ela comesse o que lhe entregava. Um pouco desconfiada, Vitória pegou o prato e, sem cerimônia, devorou aquele alimento que tanto lhe fazia falta. A menininha procurou um lugar bom para sentar e começou a conversar. Era a tagarelice em pessoa. E como toda criança saudável começou a fazer perguntas.

- Moça, porque vive aqui embaixo da ponte? Vitória levantou seu rosto pálido e fechou os olhos, relembrava o momento fatídico de como tudo acontecera. Seus pais haviam falecido e não tinha mais ninguém com quem contar, a não ser sua linda família.

Apesar de seu esposo insistir para que ela não trabalhasse fora do lar, decidira permanecer com seu emprego. Mal sentara em sua mesa, tocou o telefone. Era do hospital, informando que seu esposa e sua filha, haviam sofrido um grave acidente. Desesperada correu para o local. Queria, de alguma forma, fazer tudo aquilo sumir e restaurar a saúde dos dois.

Durante o trajeto, com seu coração oprimido, sentia que de algo muito ruim havia acontecido. Estacionou seu carro e foi buscar informações. Nem permitiu que o médico continuasse a acalmá-la, mesmo antes de lhe dar a terrível notícia. Vitória sentiu que alguma se rompia dentro do seu corpo. Não queria acreditar que seus dois e únicos amores estivessem mortos. Não poderia viver sem eles. Sua vista escureceu e perdeu os sentidos.

Após voltar a si, achou que havia tido um pesadelo, mas o ambiente hospitalar lhe fez ver a terrível realidade, que roubara seus sonhos e a vontade de viver. Uma enfermeira aproximou-se dela, mediu sua pressão e perguntou se queria que chamasse alguém para levá-la em casa. Vitória deu o nome de uma amiga e pediu que a deixassem ficar ali deitada, enquanto ela chegasse.

No funeral, já não chorava mais, estava como que anestesiada. Não falava, não comia, não sentia. Era a própria morte em vida. Os amigos foram embora e ela ficou ali olhando os túmulos. Não foi mais para casa. Ficou vagando por dias ali no cemitério. Não tinha mais sapatos e seus pés estavam com bolhas e sujos. A partir desse momento houve uma ruptura com o passado e o presente se resumia em vagar sem rumo pela cidade, até encontrar aquele local para dormir. À noite, não passava ninguém por lá e podia encontrar um pouco de paz.

O problema era que este momento havia se apagado de suas lembranças. Não se recordava de um dia ter sido casada, de ter tido uma filha, emprego, e família. Sentiu uma pontada forte na cabeça. Talvez pelo esforço em tentar se recordar de como havia chegado ali.

Que história mais triste, comentou Cristine! Vou contar para minha mãe. Ela é muito boa e vai lhe ajudar. Nesse instante ouviu alguém gritando por seu nome. É minha mãe. Deve estar brava por não ter me encontrado em casa. Assim que eu puder, volto para lhe trazer mais comida.

Todos os dias, Cristine trazia guloseimas e Vitória já começava a sentir que suas forças lhe voltavam. Ganhou até um espelho e uma escova de cabelos. Mas, como tudo na vida não é para sempre, Cristine não mais aparecera. A saudade, daquele menina, começou a apertar e algo lhe dizia para procurá-la.

Mesmo observando o mal estar de algumas pessoas, ela andava pelas ruas elegantes daquele bairro, procurando pela garotinha que havia lhe dado os maiores presentes do mundo: Amor, respeito, solidariedade e confiança. Foram dias e dias de busca. Perdera a conta de suas idas e vindas. Com o corpo já desnutrido pelo esforço e pela fome, Vitória se desequilibrou e caiu no meio da rua. Escutou uma grande freada e sentiu que a morte vinha arrebatá-la. Perdeu a consciência e acordou dentro de um lugar que achou já ter estado antes, pois tudo lhe era muito familiar.

Um jovem senhor, muito louro e de olhar triste, estava ao lado de seu leito. Olhou para aquele homem sem entender como chegara ali. Carlos José identificou-se como o motorista que a havia atropelado. Era médico e a socorreu, levando-a ao hospital. Esclareceu que não tivera culpa, pois caíra, quase em frente ao seu carro, não lhe dando tempo para freá-lo.

Carlos José continuava a olhar para os traços finos de Valéria. Quem seria ela? Para ganhar sua confiança, continuou a contar o que aconteceu. Falou que ela ficara em coma por dez dias e que vinha sempre visitá-la. Gostaria de saber quem era Amanda e Cristine, os primeiros nomes que ela falara, ao sair do coma, pois deveriam ser importantes para ela.

Vitória olhou para aquele senhor e perguntou: - Onde está Amanda e Cristine? Com muita calma o jovem médico, vendo a confusão que se passava na mente daquela mulher, sentou ao seu lado e perguntou: Quem é Amanda e Cristine? Foi neste momento que todas as recordações voltaram à mente de Vitória. Começou a chorar copiosamente. Preocupado, José Carlos chamou a equipe médica para sedá-la.

Mais um mês se passou e Vitória era agora uma outra mulher. Estava prestes a deixar a clínica do doutor Carlos José. Tornaram-se amigos e ele começou a nutrir por ela um grande carinho. Fizera tudo para descobrir por onde andavam seus bens e o que acontecera com seu emprego de administradora. A vida de Vitória estava em Xeque-Mate!

Com uma fé que nem mesmo ela sabia ter, conseguira salvar sua rainha e se livrar daquela jogada terrível. Mas, o melhor ainda estava por vir. O seu grande amigo Carlos foi que lhe acompanhou em sua saída do hospital, tinha uma surpresa para ela. Quando entrou no carro, percebeu que na parte de trás estava uma menina. Ao olhar em seus olhos ela ficou com a voz embargada. Era Cristine quem estava ali. Não pode se conter e chorou novamente. A menina, que havia perdido a mãe e que andava triste pelos cantos já há algum tempo, abraçou Vitória e lhe perguntou: foi mamãe quem lhe mandou?

Após alguns minutos de silêncio, ela respondeu: sim minha querida, foi sua mamãe, o meu querido Henrique e a minha doce Amanda. Eles agora moram no céu e cuidam de nós aqui na terra.

Quando achamos que não temos mais saída para nossas infelicidades, encontramos uma jogada perfeita, criada por mãos Divinas que tudo sabem, e que nos tiram do limbo e nos conduzem à uma vida de luz e alegrias.

Ercy Fortes e Simone Fortes
Enviado por Ercy Fortes em 18/07/2013
Código do texto: T4392948
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