Cemitério das Marionetes

A notícia chegou através da minha mãe, enquanto ela falava - as fotos e posts no facebook me chamavam mais atenção - alguém havia morrido. Fiquei pensando “o que eu tenho a ver com isso”. Indiferente, voltei a olhar um novo link compartilhado.

Conhecia o falecido pelo vulgo Pingão, poucos sabiam seu nome. Via ele e sua esposa na rua ou pelos bares. Em cinco anos cumprimentei umas 10 vezes no máximo, já com os meninos do casal falava com mais frequência, eles viviam dando multa em uma moeda.

Francisco Morato é meio que depósito da Metrópole, morar aqui é uma escolha de uma alternativa só. Por N motivos pessoas vieram morar aqui, a exclusão social é um motivo com bastante adesão. Esquece o passado é recomeça uma nova história, lema para muitos moradores.

Fui Insensível perante o fato, frio como uma maquina. Não sei quais foram os motivos que levou Pingão a ser um pinguço de “mão cheia”, nem os motivos que levou a óbito. Me vi reproduzindo argumentos pífios: “Mãe e pai bêbados na madrugada e seu filho deitado na calçada esperando voltarem pra casa, isso não é atitudes de pais”; “Estão nessa situação porque querem”; “Como vai mudar de vida, só sabem beber”; “Coloca os moleques para pedir dinheiro e cigarro na rua, é Deus castigando”.

Paro em um momento de reflexão pensando no senhor morto e minha indiferença: O que somos nesse mundo? Animais humanizados? Resultado do processo de coisificação? Máquinas? Marionetes controladas por Deus?

Deus? Penso nele ao saber que Pingão será enterrado como indigente, pois o único parente próximo não quer arcar com as despesas funerárias. Será Deus brincando de marionetes? Não. Em nossa sociedade Deus foi privatizado e seu poder está dividido em grupo de investidores. Capitalistas brincando de marionetes.

Cada marionete é controlada para alguns fins - trabalhando, alienado pela tv, bebendo, máquinas humanas - sempre visando lucro. Controlados por algo que vai além das nossas forças, olho para mazelas sociais e penso onde esta a vontade do sujeito. O sistema brinca com nossas vidas e descarta - como brinquedos deixados de lado pelas crianças quando viram adultos.

Pingão estava sozinho já uns meses, a esposa estava internada por suspeita de tuberculose, logo após a internação os filhos foram morar com parentes em outra região.

Em uma madrugada fria paulista, Pingão amanheceu morto, sozinho, em sua casa com janela e porta sem vidros, dormindo no chão seco, garrafas de corotinho espalhadas pela casa, há dias sem comer. Cortaram as cordas que o mantinha em pé, mais um excluído morreu, mas um indigente para o Cemitério da Moratense, mais um para o Cemitério das Marionetes.

Em uma ação egoísta, camuflada de caridade, comento com minha mãe: “que desleixo deixar enterrá-lo como indigente. Por que não fizeram uma vaquinha? Eu ajudaria”.

Danilo Góes
Enviado por Danilo Góes em 20/07/2013
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