Kilimanjaro – dia 4: pole pole

Devagar... Essa é a tradução para o português da expressão em Swahili, língua comum aos países do leste da África. Era sempre o melhor conselho dado pelos guias. Deixamos o acampamento iniciando uma longa subida. A proposta é um dia clássico de aclimatação. Ir alto durante o dia e dormir mais baixo. O ponto máximo foi a 4.600 metros, em Lava Towers. Bela paisagem, mesmo com alguma neblina. Os habituais corvos completavam o cenário num clima sombrio.

A descida até o acampamento foi dura, inclinada e com muitas pedras. Innocent e Rachid insistem com o uso dos bastões de caminhada. Tento, mas prefiro manter os braços livres. Quase um pequeno ato de rebeldia. Os guias são simpáticos e atenciosos, mas imprecisos quando o tema é informação. Falam um inglês básico e não demonstram quando não entendem o que falamos. Em comparação com demais grupos que encontramos pelo caminho, às vezes somos lentos, porém regulares. Quando ultrapassados, usualmente retomamos a dianteira. Sem qualquer disputa, evidentemente.

Eu estava plenamente recuperado do dia anterior e não tive problemas. Esclareço: ausência de problemas não significa facilidade. Nada é simples com pouco oxigênio. Terminamos o dia satisfeitos. Estamos em excelente estado após um dia intenso. Em vigilância constante, monitoramos as reações do corpo. Músculos cansados, porém prontos para entrar em ação novamente. O Paulo não sentiu qualquer conseqüência do ar rarefeito. Valeu morar nos 1.800 metros de Windhoek e a malhação pesada. Tenho certeza que os já passados treinos de apneia ajudaram muito.

Meus lábios estão machucados pelo clima seco e o rosto arde mesmo com o uso constante do protetor solar. O pescoço está “vermelho pra caralho”, na descrição sincera do Paulo. Há alguma ansiedade. As ótimas evidências confortam, mas falam do passado e do presente. O futuro ainda pode guardar surpresas. A expectativa aumenta. Amanhã teremos uma jornada dura de trabalho. De partida, o aparentemente duríssimo Barranco Wall. O descanso será breve. O ataque ao cume está marcado para começar à 00:00 do dia 6.

Estamos atravessando de um teste de resistência. A parte física, é evidente. Destaco o desafio psicológico. Dias e dias de longas caminhadas. Calor, frio, cansaço. Pouco espaço e nenhuma privacidade. Chamamos de banheiro um buraco cheio de merda e de moscas, cercado por quatro paredes, às vezes rudimentares. Relaxar ali é uma arte que eu definitivamente não domino. Lembro dos treinos de apneia relatados pelo Paulo. Ajudaram. Com muitas sopas e caldos na dieta e depois de alguns dias sem opções, o processo digestivo é finalizado de alguma forma. Naturalizamos aquelas condições. O que acho mais interessante é a recorrente ausência de trancas nas “portas”. Afinal, tudo fica ainda mais emocionante quando alguém pode subitamente interromper a sua atividade!

Pole pole...