11 a.m.

Miguel ergueu a cabeça e olhou para o alto de um arco feito em madeira. Havia uma gravação em baixo relevo, dizia kodoku. Aquele era um portal que lhe trazia enorme reflexão, mas, hoje não encontrava nenhuma paz ao contemplá-lo. Olhou para o relógio de pulso, estava dentro do tempo. Apalpou a mochila nas costas conferindo seu conteúdo. Respirou fundo e seguiu em frente cruzando o arco. Não conseguiu conter a respiração ofegante no momento em que avistou duas sombras no alto da ponte de madeira.

— Onze horas — disse Miguel. — Como combinado.

A figura mais alta, um homem vestindo um terno, olhou para o relógio em seu pulso.

— Como o combinado.

Miguel voltou os olhos para a figura menor, uma pequena garotinha. Tinha um algodão-doce nas mãos, retirava pequenos pedaços com as pontas dos dedos e os levavam à boca. Ela retribuiu o olhar com um alegre sorriso.

— Aqui está — disse Miguel retirando a mochila das costas e entregando-a ao homem. — Como o combinado.

A expressão no rosto do homem era serena, não havia emoções moldando-o. Abriu o zíper da mochila, enfiou a mão direito em seu interior. Retirou um pequeno amontoado de notas verdes presas num elástico. Sem pressa, contou cada uma delas. Voltou o olhar inexpressivo para Miguel, o viu pálido, algumas gotas de transpiração se formavam em torno de seu pescoço.

— Miguel... — disse vagamente o homem. — O arcanjo. Ele deve protegê-lo, sabia?

Guardou as notas novamente na mochila.

— Como o combinado — falou e estendeu a mão para Miguel.

Hesitante, Miguel retribuiu o cumprimento.

— Gostou do algodão-doce? — perguntou o homem se ajoelhando para ficar na altura da garotinha.

— Huhum — fez ela. — Obrigado.

O homem colocou a mochila sobre os ombros. Caminhou em direção ao arco de madeira deixando Miguel e a criança sós na ponte.

Miguel ajoelhou-se, não conseguiu conter as lágrimas. Abraçou a menina que não entendeu o que acontecia. Os dois sorriram. Seus olhares se voltaram para a água que se movia calmamente alguns metros abaixo dos dois, uma pedra despontava como um iceberg, sobre ela, havia uma única tartaruga que observava o céu, imóvel. Ele tirou um pequeno guardanapo de papel do bolso. Em tinta azul, agora borrada, estava escrito: “Kodoku. 11 a.m. Como o combinado”.