Contos da Vovó I

Por entre os canteiros de rosas, agapantos e cravos do jardim do colégio, o vulto atravessava o pátio em meio à penumbra e subia uma escada externa que levava ao segundo andar onde dormiam as Irmãs.Mas quem era o estranho ou o que era? Um fantasma? Minhas colegas diziam que sim, apesar de ser a única a tê-lo visto até então. Mas o que queria das Irmãs, o fantasma? Viria sugar o seu sangue e posteriormente o nosso? Seria um lobisomem que aparecia nas noites de lua cheia para aterrorizar as pessoas no colégio? Mas não era somente nas noites de lua cheia que ele era visto. Pelo contrário, eram nas noites mais escuras, sem lua, com chuva que dava o “ar da graça”.(expressão antiquada mas estamos nos tempos antigos que quer dizer ser avistado).

Minha imaginação de criança me fez sonhar , divagar e acreditar nas mais incríveis possibilidades. Com o passar do tempo, outras colegas ficavam observando, à noite, a aparição do fantasma. No colégio, estudavam internas meninas de várias idades, de 08 anos, como eu, até o início da adolescência , ou seja, 14 anos. Idade da curiosidade, da descoberta. A história do fantasma chegou até o ouvido das meninas maiores e todas tinham uma versão para as suas aparições. Eu hein? Essas meninas me assustam. Cada ideia. A Irmã superiora ficou sabendo que o colégio inteiro estava à caça do fantasma, através da minha amiga Joana, de 10 anos, que não conseguia esconder nem que havia “colado” na prova de português.

A irmã Mercedes , era esse o nome da superiora me chamou no seu gabinete e disse que se eu continuasse a inventar estórias, chamaria minha mãe para um corretivo. O que era comum, tanto dentro do colégio como em casa. Como insistisse em dizer que o havia visto realmente, que não era sonho, fiquei de castigo, sem jantar. Dei graças pois a comida era horrível. Mesmo assim não desisti. Queria desvendar o mistério do fantasma. Porém, jurei perante a Irmã Mercedes que nunca mais falaria no assunto. Não preciso dizer que Joana não ficou sabendo de mais nada, não é mesmo? Combinei com outra amiga de nome Sofia que quando visse o fantasma novamente atravessando o pátio a acordaria para juntas o seguirmos.

Passaram-se alguns dias e o vulto não apareceu. Cheguei a pensar que realmente havia sonhado. Parei de ficar vigiando todas as noites. Uma madrugada, pouco antes das seis horas, horário de levantar, me acordei com o canto do galo no galinheiro do colégio. Me espreguicei, bocejei e comecei a me vestir lentamente. Abri as janelas de tábuas e vi, descendo a escada correndo, o “meu” fantasma. Quase não acreditei. Saí correndo pelo corredor, descalça, sem me pentear na esperança de alcançá-lo e descobrir o segredo. Desci as escadas e saí pela porta da cozinha que ainda estava trancada. Perdi um pouco de tempo para tirar a tranca e abrir a fechadura. O frio do outono gelou meus ossos, mas a curiosidade foi mais forte e cortei caminho até a entrada do colégio por onde o fantasma sempre aparecia. Fiquei escondida atrás de um cipreste de forma arredondada. O orvalho molhava o meu rosto e meus pés doíam ao pisar nas pedras geladas. Mas minha recompensa não tardou. Se esgueirando pela manhã fria que começava a clarear, eis que surge o vulto com sua capa escura atravessando rapidamente o pátio e entrando no jardim , vindo em minha direção. O coração parecia que ia explodir e apesar do frio, o suor começou a escorrer pelo meu rosto e ele cada vez mais perto. Quando chegou ao portão percebi que não era um fantasma e sim, um homem. Isso mesmo, um homem com sapatos pretos e capa da mesma cor com capuz que dava a impressão dele não ter rosto. Ao abrir o portão , o capuz caiu rapidamente e pude ver seu cabelo negro bem cortado e um cheiro de água-de-colônia que não me pareceu estranho. Já havia sentido esse perfume antes. Mas onde? Voltei para o quarto tremendo de frio e curiosidade para entender o que estava acontecendo. Deixei os pensamentos de lado e terminei de me arrumar e , como era domingo, devíamos ir à missa antes do café da manhã. Na hora da comunhão, quando o padre Romeu foi me entregar a hóstia, percebi alguma coisa familiar. Mas não sabia o que era. Quando cheguei ao banco, veio-me toda a verdade. O que tinha de familiar era o perfume da mesma água-de-colônia que sentira aquela manhã, emanado do vulto encapuzado. Peraí!! O fantasma que não era fantasma era o padre Romeu? Mas o que ele ia fazer quase todas as noites nos quartos das irmãs? Iria dar a comunhão? Refleti bastante mas não disse nada a ninguém e só fui entender a história toda, anos mais tarde.

Catleya
Enviado por Catleya em 17/09/2013
Código do texto: T4485776
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