DIA DE FINADOS



Esteve algum tempo em oração frente à laje fria, sob a qual jazia a sua mãe, enterrada há apenas dois meses. Depois benzeu-se e olhou o céu. O dia estava lindo, o sol brilhando sem uma nuvem a incomodar. A temperatura, primaveril, era pouco usual em pleno outono.
Procurou com o olhar um banco e andou uma centena de metros até se sentar num que se encontrava parcialmente à sombra. Manteve-se distraído, contemplando as pessoas que passavam com braçados de flores, com o intuito de homenagear os seus entes falecidos e ali repousando na sua última morada.
Passado algum tempo, uma senhora sentou-se na outra extremidade do banco, que olhando de soslaio percebeu ser bastante idosa. Mirou-a melhor e constatou os antigos traços de beleza da juventude, alguma altivez e grande aprumo no vestuário, sóbrio e elegante. O cabelo, branco como a neve, estava muito bem penteado, preso na nuca e o vestido que envergava, preto, tinha uma capa por cima, azul escura, rendada, complementando o traje como agasalho.
Ela percebeu o olhar e também o fixou, acabando por sorrir, um sorriso empático que o fez corresponder com um outro sorriso, menos aberto, pois o coração não lho permitia.
- Tem aqui algum parente próximo?
- Sim, o meu Herberto, o meu saudoso marido, repousa aqui há dez anos. E você?
- Eu tenho aqui a minha mãe, faleceu em Agosto passado.
- Pois... Vê-se que sentiu muito essa perda...
- Sim, há muito tempo que estava habituado a ela, aos seus humores, ao seu carinho, a sua terna dedicação de toda uma vida.
- Eu sei o que isso é... Agora vivo sozinha, só tenho um filho como parente mais chegado, o resto da família está espalhado pelo país.
Suspirou e limpou uma lágrima.
- Então, mas a senhora não está só, ainda tem o seu filho...
Ela fungou num lenço e depois respondeu: - Sim, tenho, eu vivo com ele e com a mulher, não tenho netos, mas percebo que já estou sendo um fardo. - Suspirou. - Já falou em colocar-me num lar. O objetivo dele, imediato, é que eu ponha tudo em seu nome. Mas isso não faço! Vai ter paciência e esperar que eu morra! Ainda tenha a cabeça no sítio, não faço um disparate desses! - Fungou de novo, depois suspirou - A velhice é triste...
- Entendo-a...
- Possivelmente o senhor acha que eu estou senil, sou uma velha já com um pé na cova, mas apesar dos meus oitenta e dois anos ainda tomo nota das minhas contas, dos meus rendimentos, dos meus extratos bancários! - Disse, energicamente.
- Claro que não, percebo pelo seu discurso que está perfeitamente lucida, por enquanto não precisa desse tipo de apoio. Tem empregada?
- Sim, tenho uma todas as manhãs. Cara e não presta para nada, passo a vida a chamar-lhe a atenção... Hoje em dia são "podres como barro", preguiçosas e não sabem fazer nada...
Ele sorriu. O mau humor dela vinha constantemente ao de cima. Talvez fosse a revolta perante a idade e a consciência das crescentes limitações naturais, algo com que lidaria mais tarde ou mais cedo.
Ela entretanto olhou para o relógio e suspirou uma vez mais, levantando-se um pouco a custo:- São horas de me chegar ao almoço...
Ele levantou-se rapidamente e caminhou ao lado dela até que na longa subida para a saída, ladeada de jazigos de diferentes formas e volumes, constatou que ela caminhava com alguma dificuldade. Chegou-se mais para o seu lado e estendeu-lhe o braço.
Ela percebeu, sorriu-lhe e enfiando o braço no dele, continuou a calcorrear a ingreme subida, mas desta vez mais apoiada.
- Você é um homem bom e Deus sempre o protegerá!
- E à senhora também.
Sorriram um para o outro enquanto caminhavam sob aquele sol abençoado.


 
10/10/2013