BENEVOLÊNCIA DE UM MENDIGO.

O calor estava insuportável. Verão. Segunda quinzena de janeiro, 2012. Caminhava em passos apressados em direção uma agência bancaria, precisava fazer um deposito se não o fizesse a conta bancária como dizia o meu pai. IRIA PARA O BELELÉU.

Suava por todos os poros. O liquido alcalino escorria pelo meu rosto e molhava todo o meu corpo. Já cansado parei por um momento sobe a sombra de uma marquise de uma loja naquele momento fechada.

Um pedinte estava sentado, recostado na parede, com um chapéu de feltro entre as pernas. Engraçado. Parecia feliz, mesmo estando naquela situação a meu ver constrangedora. Ele assoviava uma canção que parecia traduzir sua alegria, toda a sua felicidade de estar ali, quieto, esperando que o dinheiro pingasse aleatoriamente.

Eu tinha alguns papeis na mão e abanava-me incessantemente.

--- calor em amigo. - disse ele, olhando-me de baixo para cima.

--- muito. – respondi. Continuando em seguida. ---não sei como consegue ficar nesse tempo, assim nesta posição...

Ele me interrompeu bruscamente.

--- pedindo esmola. – completou a minha frase, agora olhando para uma nota de dois reais que era jogada dentro do chapéu de feltro.

--- desculpe, mas era isso mesmo o que eu ia dizer você parece-me bem de saúde. – conclui, olhando-o pegar a nota e colocar junto com outras tantas no bolso direito da calça.

Ele sorriu novamente.

--- este é o meu trabalho. O meu ganho pão.

Trabalho? Que trabalho estranho. Pensei.

Os olhos do mendigo agora estavam acesos como uma lamparina na escuridão da noite.

--- já sei... Você duvida do que o que eu faço seja um trabalho.

Desta vez fui eu quem sorriu.

--- sim. Não posso considerar pedir esmola um trabalho.

--- engano seu. Não só é um trabalho, como também um trabalho benevolente, eu vou explicar.

--- há alguns anos atrás, eu era um trabalhador de carteira registrada, assim como você provavelmente é hoje. Acordava cedo, cumpria o meu horário sem atrasos, fazia horas extras, às vezes deixava de tirar minhas férias para o bem estar da fabrica. Esquecia da minha saúde, dos meu filho, da minha família. O trabalho era a minha vida, dia, noite, sábado e domingo.

--- puxa isso sim é ser um trabalhador. – retruquei.

--- engano seu, eu não era um trabalhador, mas sim um escravo de uma multinacional, como são os bancários dos banqueiros, os médicos do sistema de saúde, enfim, todo trabalhador não passa de um escravo de alguém.

Esbocei um sorriso.

--- essa é a vida, é isso que faz com que tenhamos vitórias, conquistas, e bens materiais.

Desta vez caiu uma nota de cinco reais no chapéu de feltro.

--- não digo que o trabalho faz mal, o que eu quero dizer é que cada vez trabalhamos mais e mais, queremos roupas novas, casa nova, carro novo, filhos estudando nas melhores escolas, e assim acabamos sufocados, espremidos, enforcados por conta do trabalho.

--- entendi, assim, você deixou de ser um trabalhador para ser um mendigo. – ponderei.

Ele sorriu novamente, agora parecia mais confiante.

--- não... Deixei de ser um trabalhador com carteira registrada para virar um trabalhador da boa vontade humana. Veja bem, cada transeunte que passa e dá uma moeda, uma nota, acredita que assim fazendo esta cometendo uma boa ação, ela não dá o dinheiro para me ajudar, na verdade nem olha em meus olhos, apenas joga o seu dinheiro, como se dissesse DEUS, fiz minha boa ação de hoje, mereço um emprego melhor, mereço ter saúde, mereço uma promoção. Entende o que eu estou dizendo.

Fiquei um tanto incrédulo. As palavras na verdade até tinham algum sentido.

--- deixa-me ver se entendi. Você quer que eu acredite que na verdade você esta fazendo uma boa ação, ganha dinheiro sem fazer nada, e ao mesmo tempo promove o bem estar daquele que doa.

--- claro. Dependendo do dia eu faço 100, até 200 reais, por mês uns 3500,00. Pago por um quarto, 280,00, gasto com alimentação 600,00, água, luz, mais uns 120,00, quase sempre tenho uma boa sobra, a qual guardo na poupança.

Comecei a rir.

--- você esta querendo dizer que tem dinheiro guardado, eu mal consigo pagar as minhas contas. – retruquei já quase disposto a colocar um chapéu e sentar-me na calçada.

--- amigo, sim eu tenho dinheiro guardado, e não é pouco não, mas preciso lhe dar mais uma explicação. Como eu disse era um trabalhador, carteira assinada de uma grande multinacional, porém, há alguns anos atrás eu fui demitido, não só eu, mas um cem numero de funcionários, sem explicação, apenas com direito a indenização da lei. Fiquei um ano desempregado, o dinheiro acabou, ia desesperado de porta em porta nada, minha mulher foi morar com a mãe e levou o meu filho, acho que perdi a razão, comecei a andar pela rua, noite e dia, esqueci-me de tudo, da família, do trabalho, dos amigos. Doente fui internado pelo SUS, bons médicos, medicamento de graça, cuidado por uma equipe de psiquiatras competentes, voltei a raciocinar novamente, então pensei. Porque trabalhar como louco, porque querer ter tudo na vida se posso sobreviver com pouco e sem fazer nada, andei pela cidade e procurei um lugar tranquilo, que tivesse passagem de muita gente afoita, verdadeiros trabalhadores, aqui sentei, coloquei o meu chapéu de feltro, olhe é de marca Ravazi relíquia dos velhos tempos. Fiquei abismado como as pessoas gostam de fazer doações, elas se sentem perdoadas, protegidas por Deus, a cada moeda recebida eu agradeço em nome de Deus, assim o doador se sente perdoado por tudo de ruim que tem feito no seu dia a dia. Como eu disse, esse é o meu trabalho.

O suor do meu corpo já tinha secado. A minha conta bancaria precisava ser coberta.

Olhei para o mendigo e fiquei em duvida.

Quem estava certo. Eu trabalhando como um louco para sustentar a minha família, duro, conta atrasada convenio aumentando todo mês, escola, roupas, combustível, cartão de crédito estourado, mulher infernizando a minha vida, ou ele, ali, quieto, apenas recolhendo o pouco que caia, mas que caia constantemente. Poupança cheia, sem necessidade de pagar imposto, sem necessidade de dar satisfação para ninguém.

--- então você entendeu o que eu disse, tirou proveito de alguma palavra. – perguntou o mendigo, agora recebendo um punhado de moedas.

--- sim. Acho que apreendi duas coisas, primeiro devo trabalhar menos e pensar em minha saúde, para não ficar doente como você ficou, e virar um mendigo, como você é hoje. Em segundo apreendi que não adianta ter pressa, nada muda de lugar, o banco vai estar lá, e eu vou fazer o meu depósito, o que eu preciso é poupar, assim como você esta fazendo hoje, com o dinheiro que os outros doam.

--- esta vendo, não disse que o meu trabalho é benevolente. – ele sorriu. Eu sorri.

Sei não.

Mendigo... É uma profissão em nosso País.

Tinha uma nota de 5 reais e coloquei no chapéu de feltro, tinha apreendido uma lição; TRABALHAR MENOS, E POUPAR MAIS.