[Extraído do nosso livrinho virtual "CAÔ CAÔCA - PROSINHAS AVULSAS E SEM CURRÍCULO" ( http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/4534805 ). Apareça lá, para um dedinho de prosa.]

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Amiga Patrícia,
Você que é uma moça bem educada, sem traumas, mimada e muito sensível, da que chora e ofende e se ofende por qualquer coisa, fez-me lembrar das palavras de um amigo meu enquanto falava para uma senhora recém-saída de uma explosão emocional. [Ele é ex-presidiário e hoje palestrante motivacional no mesmo presídio que o acolheu.] Achei o discurso dele interessante. Tentarei aqui fazer uma reprodução do que ele disse:
 
 
Querida amiga barraqueira,
Nossa garganta tem uma válvula que impede as impurezas mais grosseiras do corpo de subirem para o cérebro, embora às vezes deixe passar alguma coisinha, e quando isso acontece, é um problemão. Mas essa válvula não impede as impurezas mais refinadas emanadas do cérebro de passarem para o corpo abaixo, porque estas são de natureza química e emocional, não física. Por isso que a palavra dura que a gente emite, que movimenta inicialmente a região do aparelho fonador, que fica na intermediária entre o corpo e o cérebro, detona toxinas venenosas tanto para o cérebro quanto para o corpo todo, porque suas substâncias são fluídicas, sutis, pérfuro-cortantes das células e da alma.
Muita gente que morreu de câncer de laringe geralmente tinha problemas de poluição e sujeira tóxica na garganta e, consequentemente, no chakra laríngeo.
Então, pensar e dizer somente coisas positivas e boas para si e para os outros é antes de tudo um hábito saudável e de sacada de inteligência. E não devemos também deixar que a palavra dura dos outros nos atinja. Oração e palavras brandas desviantes sejam acionadas imediatamente, antes que o pipoco invada todos os nossos corpos.]
A causa mortis de quem morre ou adoece seriamente em decorrência de excessos de toxinas físicas, emocionais e espirituais deveria ser uma só: otariedade.
Essa coisa de atender aos reclamos do ego sob as justificativas de que o mundo quis assim, porque é da minha natureza, porque vocês vão ter que me engolir, ou porque pau que nasce torto não tem jeito morre torto, blá blá blá, são pretextos de gente sem noção.
Acima do ego, o espírito. Ego dominante asselvaja o espírito. Espírito dominante educa o ego.
É questão de treinamento incessante.
A vida é um boxe, onde o oponente seja apenas o saco de areia da nossa própria personalidade embrutecida. O outro que pensa em nos agredir com palavras ou pensamentos é apenas um bobo, que não sabe o que faz. Merece apenas nosso sorriso, nossa compreensão, um cafuné. Ele é um coitado igual a nós. Nossa luta não seja contra ele. Nossa luta seja contra nossa própria personalidade mal criada e cheia de orgulhos, vaidades, chiliques, melindres e outros amadorismos e otariedades, que só servem para sustentar o emprego de coveiros, analistas, farmacêuticos, etc.
Enfim, se liga, negona! Ser otário nos dias de hoje sai caro!
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 E aí, Patrícia? Será que tem a ver, ou esse meu amigo não passa de um traumatizado de presídio?
E eu creio que, além do treino incessante, é importante a motivação também. E que esta venha pela tomada de consciência a partir das leituras, dos seminários, de palestras, de um diálogo benfazejo. É um fardo leve de carregar. Basta só paciência para ouvir ou para ler.
Esse meu amigo palestrante se lamentou depois comigo, in off, que ele não teve tempo de iniciar seus treinamentos a partir de motivações meramente discursivas. Precisou ter matado uma pessoa, num gesto impensado e irracional que durou cerca de quinze segundos e lhe custou mais de quinze anos na penitenciária, entre solitárias e celas, para começar a entender a necessidade desse treinamento. Mas, por fim, ele acabou ficando fera em não mais virar fera, ainda dentro da cadeia. Quando saiu, estava pronto para começar sua missão. Voltou sempre aos antigos companheiros de cárcere e aos novos encarcerados, para fazer os discursos que não ouviu no seu tempo. Fazer o quê, não é mesmo? É a vida. Mas o curioso é que ele conseguiu a liberdade sobre o ego, educando-o, ainda atrás das grades. É a melhor das liberdades. Ou não?
Desculpe-me aí, se as minhas palavras ou as do meu amigo lhe foram ofensivas.
 
Josenilton kaj Madragoa
Enviado por Josenilton kaj Madragoa em 21/10/2013
Reeditado em 21/10/2013
Código do texto: T4534806
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