O Imperador, o Chucrute e o Frango.

Este texto foi feito exclusivamente para um concurso de contos chamado "A Coroação". O Conto foi um dos 10 premiados e saíra em coletânea em 2014.

Dom Pedro I virava as cartas do baralho uma a uma com a mão direita, enquanto com a esquerda segurava o queixo, meditativo.

__Isso não é vida, pensava o regente enquanto jogava a terceira partida de paciência sem conseguir ganhar o jogo. __Não posso mais viver dessa maneira!

Dom Pedro tinha muitos motivos para andar chateado. Por ser ainda apenas regente, eram constantes as insubordinações e greves das tropas portuguesas exigindo melhores salários, benefícios e condições dignas de trabalho. Os sindicatos não davam trégua e os enormes protestos populares manchavam a imagem do Brasil no exterior. O País vivia numa época conturbada e os movimentos sociais ameaçavam implodir o império e dividir o país em vários estados independentes. A possibilidade de rompimento das unidades federativas, principalmente do sul, deixava o regente cada vez mais aflito. E para piorar tinha que aturar aqueles dois chatos que não davam sossego, escrevendo uma carta atrás da outra. Mal tinha tempo de acabar a leitura de uma missiva e lá estava o carteiro tocando a campainha com uma nova correspondência daqueles dois calhordas; Gonçalves Ledo Engano e José Bonifácio, vulgo Boninho, pleiteando a independência do País, de Portugal.

__Fala sério. Resmungava o pobre homem __Já não bastam as pressões do meu pai exigindo mais frangos a cada dia, ainda tenho que aguentar isso? É reclamação e revolta pra todo lado.

Sim. Era um problema muito sério. No norte os ambientalistas do Green Peace incitavam o povo do Pará a desligar-se do Brasil e criar A República da Castanha, em oposição ao desmatamento desenfreado pelo qual o estado vinha passando. Enquanto no sul os revoltosos negavam-se terminantemente a entregar quase toda a produção de frangos à corte portuguesa. Dessa forma, Dom João VI instituiu a “franguia”. Dizimando o rebanho avícola daquele estado e condenando todos os gaúchos ao eterno suplício do churrasco bovino. Nessa época o Alferes Tirapenas junto com outros líderes: inspirados na revolução francesa, conjuravam secretamente a independência do Brasil, de Portugal. Tirapenas liderou a Revolução Fragoupilha, mas embora auxiliado pelo exército dos Caras-pintadas e do Visconde de Sabugosa, foram massacrados pelas forças leais ao regente e a Portugal, tendo a frente do Exército Real, o Duque Virgulino de Caxias. Até esse momento Dom Pedro ainda não pensava em independência. Vários revolucionários foram enforcados, outros exilados, mas a grande maioria fugiu para Cuba de barco a remo, pois Miami era muito longe. Fato que aumentou o clamor popular e causou a grande rebelião separatista, levando o Brasil à Guerra dos Frangalhos.

Além de todos os problemas políticos, Dom Pedro sofria também com o cardápio oferecido no palácio. Maria Leopoldina, sendo da Áustria e pertencente à raça germânica ou das imediações, adorava chucrutes. Assim, quase todas as noites o imperador era obrigado a comer aquilo para não provocar a ira da mulher, principalmente na época da TPM. Quando não eram servidos os detestáveis chucrutes com salsichas , ele era obrigado a encarar o bacalhau, e decididamente não suportava mais o bacalhau da imperatriz e muito menos seus chucrutes. Às vezes fingia comer, mas durante a noite saia pé por pé da cama e subornava alguma cozinheira, saciando assim sua fome com um frango assado improvisado na cozinha. Durante o dia ele conseguia se livrar dos pratos indigestos servidos no palácio; arrumava mil desculpas para fugir do almoço, e sempre conseguia um sanduiche de mortadela, um misto quente ou até mesmo um pão com ovo nas redondezas. Mas durante a noite era uma tortura. Por mais que tentasse escapar, a futura imperatriz era peremptória. Ou era chucrute ou bacalhau ou nada.

Naquela tarde, depois de perder dezessete partidas de paciência seguidas, Dom Pedro resolveu que precisava de um descanso. Acabara de ter uma briga terrível com a mulher ao tentar escapar do almoço. A contenda foi a um ponto em que ele chegou mesmo a pedir o divórcio, e ai sim que a coisa ficou feia. Sua esposa ameaçou tirar-lhe tudo, até mesmo seu jumento preferido, chamado Silver. Falou das inúmeras amantes do marido; de Domitila, das outras que ele tinha e das que ela imaginava. Disse que ele se arrependeria pelo resto da vida e coisas desse tipo. Então ele chegou a uma conclusão: Dom João que se engasgasse com um osso de frango. Dona Leopoldina que se matasse com seus chucrutes e com suas salsichas. E aqueles dois pentelhos que fossem pedir independência ao o Abominável Homem das Neves. Ele não aguentava mais aquele clima. Ia tirar uns dias de férias, visitar Dona Domitila em Santos e na volta iria pescar às margens do Ipiranga.

Dom Pedro não suportava viajar sem um enorme séquito de auxiliares, secretários e aduladores, parecia prever o futuro do Brasil. Convidou todos os Ministros e todos os puxa-sacos. Então, juntamente com um pequeno exército, rumou para o litoral em grande estilo. Embora tendo que suportar Gonçalves Ledo e Boninho, que deram um jeito de se misturar à comitiva sem serem convidados, a viagem para o litoral seguiu tranquila. Mesmo com o frio do final de inverno a serra de Santos sempre era uma beleza. As comunidades ainda não tinham invadido totalmente os morros, como no Rio de Janeiro, e Dom Pedro sentia-se aliviado por abandonar momentaneamente os problemas da regência e sentir no rosto a brisa suave em forma de neblina que subia das matas. No caminho pensava em toda aquela carga que era obrigado a levar nas costas, praticamente sozinho. A incompreensão do pai frangólotra que se recusava a nomeá-lo Imperador do Brasil, a tirania gastronômica da esposa; o desrespeito das tropas portuguesas bem como as exigências cada vez maiores daquele povo tupiniquim analfabeto e mal agradecido. Buscava a paz ao lado da amada. Ali, naquela bela mansão a beira mar poderia desfrutar de seu amor e do seu carinho por alguns dias.

Mal sabia ele que Domitila andava “naqueles dias” e assim que chegou foi recebido com todos os xingamentos imagináveis e inimagináveis. Ela tinha lido numa revista de fofocas que a “Regenta” – como gostava de ser chamada - havia ganhado um colar de diamantes de Dom Pedro e que além disso o safado andava arrastando asas para uma tal Xica Da Silva. Por mais que o regente afirmasse que aquilo não passava de uma infâmia ignominiosa, e que o colar era falso, a ira da mulher parecia não ter fim. Finalmente Dom Pedro conseguiu prende-la, segurando-a pelos braços perguntou o mais meloso que pôde.

__Como posso provar-te que apenas tu me interessas?

__Quero ser marquesa. Disse dona Domitila.

Mesmo sabendo que aquilo não seria fácil, pois um título nobiliárquico custava muito caro naquela época, o futuro imperador concordou. Já havia enchido a amante de joias e todo tipo de tranqueiras que as mulheres adoram. O preço daquele titulo faria um rombo em sua caderneta de poupança, pois, seu salário de Regente estava atrasado há dois meses, por pirraça de Dom João VI. Mas fazer o quê? Domitila sempre dava um jeito de conseguir o que queria. Só que ele nem podia imaginar que as exigências estavam apenas começando. Por alguns dias tudo parecia em paz, então Domitila começou a considerar que uma Marquesa, não poderia ser a “outra” de ninguém, nem mesmo de um imperador, e depois de várias acusações e ofensas mútuas, ela disse:

__Ou ela ou eu!

Amargurado e desiludido, Dom Pedro resolveu terminar por ali sua visita e nem mesmo se despediu ao sair. Só lhe restava a pesca à beira do tão querido riacho. E depois de uma longa subida pela Via Anchieta que naquela época ainda não fora asfaltada e a Rodovia dos Imigrantes era apenas um sonho, finalmente chegaram às margens do Ipiranga. O Regente não perdeu tempo. Imediatamente armou seu molinete e começou a pescar para ver se despistava Gonçalves e Boninho que o importunaram durante a subida inteira da serra. Mas parecia que tudo conspirava contra ele. Tinham chegado ao meio dia com o sol a pino. Enquanto os soldados arrumavam as barracas e o restante da comitiva se preparava para pescar também, uma coisa inesperada aconteceu. Inexplicavelmente o céu, que há apenas alguns minutos estava límpido, tornou se cinza, enquanto os raios e trovões prenunciavam uma gigantesca tempestade. Apressadamente Dom Pedro ordenou que juntassem as coisas para a travessia do rio antes da tormenta começar. Mas nem bem havia dado a ordem, o temporal caiu como nunca se vira antes. Os tortuosos raios dourados rasgavam o céu cinzento, enquanto uma monumental chuva de granizo castigava os homens e os animais sem piedade. Todos se abrigaram da maneira que puderam e depois de horas de chuva intensa, eles perceberam que não seria possível atravessar o rio tão cedo. O pior é que a enchente havia carregado a carroça de suplementos.

Vendo o que tinha acontecido, o Sargento Garcia, único que havia atravessado o rio, por ser o batedor da tropa, partiu imediatamente para o palácio com o objetivo de providenciar alimentos para o resto do exército e a comitiva real. Três dias depois o batedor voltava com dezenas de marmitex e alguns barris de rum e de vinho. Encontrou os companheiros de quartel e os acompanhantes de Dom Pedro esfomeados e exaustos, arrumando as coisas para partir, pois o rio acabara de baixar poucos minutos antes. Toda a azáfama da arrumação foi interrompida para a alimentação. Cada qual pegou sua marmita e comeu sentado no chão mesmo, tamanha era a fome. Ao abrir seu marmitex, Dom Pedro quase teve um chilique. Dona Leopoldina havia colocado lá chucrutes com bacalhau. Embora o regente tivesse ficado furioso, a fome foi mais forte e ele comeu de qualquer jeito, mesmo percebendo que a comida estava meio estragada devido ao longo percurso da viagem. O Resultado foi catastrófico. Uma tremenda epidemia de diarreia atingiu os soldados e a comitiva de tal maneira que os homens desembestaram como loucos numa procura insana pelas moitas e arbustos que abundavam por ali. Nada excedia a fúria do regente, aquilo não podia ficar daquele jeito. Pediria o divórcio assim que entrasse no castelo e conseguiria nem que fosse preciso matar Leopoldina com as próprias mãos ou ao fio da espada. Foi quando recebeu um bilhete de Garcia que fora orientado pela mulher a só entregar o papel depois que o príncipe houvesse comido. Ele enfiou o papel dobrado no bolso sem ler.

Horas depois quase todos já estavam montados e prontos para partir aguardando ordens de Dom Pedro foi que ele se lembrou do bilhete. Quando ele leu o que tinha nas mãos, percebeu-se que o sangue subia em suas faces. O soberano sacou da espada e empunhando-a brava e ferozmente gritou:

_Divórcio! Nenhum laço nos une mais! Independência ou morte. Independência ou morte!

Todos permaneceram em silêncio sem entender nada, até que Gonçalves Ledo e Boninho que já haviam enchido a cara de rum e de vinho, olharam espantados um para o outro e gritaram em uníssono:

__Abaixo Portugal, Liberdade para o Brasil. Independência ou morte!

Então todos sacaram suas espadas e repetiram o brado, menos Dom Pedro que estava pasmo, de boca aberta no lombo de Silver. Desnorteado, deixou o bilhete cair. Foi uma algazarra geral, todos vieram parabenizá-lo, já como Imperador do Brasil. Somente Garcia que ainda estava desmontado teve curiosidade de pegar o papel e ler. Nele estava escrito apenas: “Mandei colocar purgante na comida, Maria Leopoldina”.

Naquele momento Dom Pedro, era o Imperador e Libertador do Brasil de fato, por antecipação. Pensou em explicar tudo o que havia acontecido e permanecer Regente até poder voltar para Portugal e livrar-se de Maria Leopoldina, mas faltou-lhe coragem, pois iria se passar por um borra-botas qualquer que vivia sob o domínio da esposa. Além do mais, já estava cansado dos desmandos do pai e dos piripaques de sua irmã, Maria II, que se fazia de louca para espioná-lo a pedido de Dom João, transmitindo-lhe informações confidenciais e a cotação do frango no mercado negro.

E foi dessa maneira que Dom Pedro, depois de embarcar Maria A Louca para Portugal, finalmente foi coroado Imperador do Brasil de fato e de direito, quase três meses depois, no primeiro dia de dezembro do ano da graça de 1822, na cidade do Rio de Janeiro.

AMAURI CHICARELLI
Enviado por AMAURI CHICARELLI em 23/11/2013
Reeditado em 24/11/2013
Código do texto: T4583420
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.