O ATROPELAMENTO

Chovia muito, isto estava acontecendo durante todo o dia. O plantão terminou as 20 h, mas devido à chuva só consegui sair do Hospital por volta das 20.15, ia pegar o caminho de casa, teria que enfrentar a Dutra com chuva, e isso era muito perigoso.

Tinha combinado com a namorada, em meu apartamento, ela tinha as chaves, pedi que ela entrasse ao invés de ficar me esperando na rua.

Pequeno congestionamento na rodovia, mas nada que pudesse me deixar mais ansioso do que eu já estava. Queria sentir a boca, o corpo e o carinho da minha mulher.

Parei o carro em frente ao portão, estava sem guarda-chuva, o cadeado ainda emperrado, demorei em abrir, fiquei todinho molhado. Entrei no carro, o vidro estava embaçado, dei seta vi que não havia nenhum farol em minha traseira, e contornei com velocidade um pouco exagerada.

Escutei um baque seco na lateral do carro, e vi um ciclista se estatelar no chão, um guarda-chuva voando sem controle, e o bi ciclo toda amassado cair bem em frente ao meu carro.

Desci correndo e fui socorrer o ciclista, ele estava um pouco zonzo, um corte na mão e dor no cotovelo direito. Estava nervoso, agitado, deveria ter no máximo 13 anos.

--- perdão... Disse eu, ajudando-o a se levantar, e vendo que o corte era superficial. Examinei o cotovelo, não havia fratura. Passei a mão em seus cabelos arrependido do que tinha acontecido. Repeti.

--- perdão.

--- a culpa foi minha disse ele. Esta chovendo muito e eu pus o guarda chuva para me proteger e não vi o senhor dando a seta.

Recolhemos a bicicleta na garagem. Ele estava triste com o estado do seu veiculo de locomoção.

--- não sei como vou fazer para ir à escola na segunda feira. - disse caminhando. --- Minha bicicleta é velha mais anda. - sorriu.

--- não se preocupe se for necessário eu compro outra, mas tenho um amigo que conserta, vou falar com ele amanhã. Onde você mora? - indaguei, abrindo a porta do carro para que ele entrasse. A bicicleta toda retorcida eu guardei na garagem.

--- a três quarteirões daqui. O guarda chuva não presta mais pra nada. - concluiu vendo o objeto voar com o vento.

--- vamos, entre, eu te levo para casa, converso com seus pais e amanhã resolvo o problema da sua bicicleta.

Levei o garoto até a porta de sua casa. Lugar simples, gente pobre, mas educada, primeiro veio o pai, depois a mãe, em seguida um montão de irmãos. Expliquei o ocorrido, e me responsabilizei em consertar o veículo do Camilo, este era o nome do menino.

Havia me esquecido que a namorada me esperava. Entrei no apartamento todo molhado, e a vi deitada, semi coberta no colchão que gostamos de por na sala, ali sempre será o nosso ninho de amor. Ela dormia.

Enxuguei o corpo com a toalha felpuda, retirei a roupa molhada, e me aproximei com sofreguidão, comecei a beijar o seu corpo quente e ela acordou, abrindo os olhos e colocando a mão em meus cabelos ainda úmidos.

--- nossa você está molhado. - beijou minha boca com volúpia.

O que aconteceu depois não vem ao caso, vamos continuar a história inicial.

No sábado acordei bem cedo, e fui até o meu amigo consertador de bicicletas. Contei o ocorrido e ele designou um dos seus ajudantes para ir comigo recolher o que sobrou do veiculo de locomoção.

O auxiliar desmontou a roda dianteira e traseira e colocamos tudo dentro da porta malas do carro e voltamos a bicicletaria.

--- aqui esta a CABRITA. - disse eu sorrindo, apontando para a porta malas já aberto do carro. Era assim que eu denominava a minha bicicleta quando criança.

Alfredo sorriu.

--- você chama isso de cabrita, parece mais uma carniça, tudo velho e enferrujado, é mais fácil jogar fora e comprar outra. - disse ele sorrindo.

--- não tem conserto? - indaguei

--- tem... A marca é boa, antiga, deve ser relíquia de família.

--- então conserte, quero devolver a bicicleta em condições para ele, vi que é algo de estimação. - retruquei.

--- deixa comigo, ela vai ficar nova, pode pegar domingo, trabalho hoje e amanha domingo a tarde ela vai estar pronta.

--- promete.

--- prometo.

Fui embora para a casa, queria aproveitar o sábado, estava fazendo sol, e eu tinha um montão de pequenas coisas para fazer.

Domingo.

Minha namorada estava fazendo pós-graduação em S.Paulo e eu sozinho me sentia como um peixe fora d’água. Fui ao shopping, conversei com alguns amigos no Posto, e estava prestes a ir para casa quando o celular tocou.

--- Claiton. Bom dia.

--- bom dia. Respondi. Tinha visto que o telefone era do consertador de bicicletas. --- então, como esta a Cabrita.

--- kkkk, perfeita, com tudo em seu devido lugar, se quiser pode vir buscar.

Eu fui.

Entrei na bicicletaria com a porta semiaberta, cumprimentei o amigo.

--- então onde esta a jovem donzela. - sorri.

--- você passou por ela.

Virei e vi uma joia rara. Novinha, brilhando, tudo perfeito, uma cabrita de encher os olhos.

--- Meu Deus não acredito. - fiquei entusiasmado. --- vou buscar o garoto e já volto, deixa a bicicleta bem na porta, volto logo.

Entrei no carro, cheguei em poucos minutos bati a porta e ele surgiu com a boca lambuzada de molho de macarronada.

--- então Camilo, tudo bem, vamos buscar sua bicicleta.

Um enorme sorriso abriu em seus lábios.

--- já esta pronta.

Confirmei com aceno de cabeça. Ele passou a mão pela boca e a limpou na camisa, gritando.

--- mãe... Vou pegar a minha Cabrita.

Não pude deixar de rir... Os tempos eram outros, mas a denominação continuava a mesma. Por momentos relembrei a minha infância.

Chegamos.

A porta agora da bicicletaria estava totalmente aberta, e o veiculo de duas rodas exposto sobre a calçada. O menino passou por ela e entrou.

--- onde esta a minha bicicleta. - indagou olhando no meio de um montão de cacos velhos.

Alfredo respondeu.

--- você acabou de passar por ela.

O menino fez meio volta rapidamente e foi em direção à bicicleta que ele não tinha reconhecido. Seus olhos se encheram de lagrimas.

--- Meu DEUS, ela esta nova, novinha, minha cabrita esta linda.

Eu cumprimentei Alfredo pelo serviço magnificamente bem feito.

--- Pronto Camilo, vamos por a bicicleta na porta malas, e eu te deixo em sua casa.

O menino ainda estupefato.

--- de jeito nenhum, foi montado, quero chegar a casa em grande estilo, essa bicicleta era do meu avô, meus pais não vão acreditar. Obrigado, muito obrigado.

Montou como se montasse em um animal bravio, e pedalou desaparecendo no final do quarteirão.

Fiquei feliz, como é bom ser criança.

Ton Bralca
Enviado por Ton Bralca em 27/11/2013
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