UM HOMEM NA CIDADE
 
Estava frio, muito frio mesmo. Agasalhou-se, levantando as abas do sobretudo e protegendo ao máximo o pescoço, já envolto no cachecol.
Caminhou pela rua quase deserta, olhando distraído para uma ou outra montra.
As luzes de Natal, que anos atrás eram penduradas com grande antecedência, dando brilho e cor às principais artérias da cidade, repousavam agora, devido à crise, em alguma arrecadação da autarquia.
Finalmente chegou junto do miradouro da Graça, onde pôde observar, fascinado, as luzes de Lisboa. O ruído do transito, uma ou outra ambulância que se fazia ouvir, uma vez que o hospital de S. José era perfeitamente visível, ficava logo ali.
Tudo dava alguma - pouca - animação à noite.

Apesar do frio intenso, manteve-se durante algum tempo olhando em frente, imaginando a vida dos muitos milhares de seres que em vários locais, em casa, na rua, ou em nenhures, quais seriam as suas alegrias, os seus dramas... E então recordou o seu próprio drama, os amores passados e sobretudo o grande amor da sua vida, também já pertença do passado.
Tentou disfarçar o nó no estômago que então sentiu e lentamente virou para a rua íngreme que o levaria a casa, iniciando essa descida.
Para o suplício da solidão.
Para aquelas paredes ricamente decoradas mas tão mudas, sem vida.
Tudo era inerte em sua casa, vazio de emoções. Faltava-lhe a alegria de outrora.
Caminhou como um autómato, chegou junto da porta e então subiu até ao seu andar. Mais um dia do resto da sua vida havia passado. Outros se seguiriam. Quantos, não imaginava. Mas de uma coisa estava seguro: Não mais existiria felicidade no seu coração.



http://youtu.be/iJsjVCT_sFw
UM HOMEM NA CIDADE - CARLOS DO CARMO