BREVEMENTE

Na época eu trabalhava no segundo andar de um hospital para animais. Desci para fumar e no saguão passei por uma menina chorando. “Mais uma” pensei. Atravessei a porta dupla de vidro, acendi um cigarro e encostei-me à parede. Puder ouvir que a criança ainda chorava, e ao seu lado, o que deveria ser sua mãe, sorria. Achava graça do quê? No meu ponto de vista aquilo não tinha a mínima graça, mas não pensem que, ao contrário disso, eu achava a cena triste. Não. Apenas irritante. Provavelmente seu animal de estimação estava doente e morrera. A minha vontade era de balançar aquela pirralha e fazê-la entender que seu sofrimento estava apenas começando, fazê-la entender que ela iria crescer e enfrentar problemas impensáveis para uma criança. Mas é claro que não fiz isso, pois no fundo eu já sabia que criança alguma tem culpa da amargura que os adultos carregam.

Uma veterinária chegou para conversar com a mãe e a menina. E, pelo que ouvi da conversa - pois depois da irritação sempre vem a curiosidade de saber o que tanto nos irrita; como se fôssemos psicólogos de nós mesmos - ela trouxe a pior notícia que a criança poderia ter recebido. Mas falava com um sorriso de cumplicidade e até mesmo admiração, enquanto olhava furtivamente para a mãe, como se estivessem ensaiado algo. Minha curiosidade foi satisfeita quando ouvi da veterinária, que o animal já estava quase morto quando foi achado. “Não havia mais nada que pudesse ser feito.” A garota aos poucos se acalmou, pois as crianças sempre acabam se acalmando e em seu pequenino rosto se formou uma fisionomia de compreensão. Devido a mais uma emergência que tinha acabado de chegar, não pude ouvir todo restante da conversa, mas entendi quando a menina falou que queria levar o animal para enterrar no seu jardim. Teve seu pedido atendido, e quando a veterinária voltou, segurei minhas lágrimas, mas não meu sorriso. Neste momento, eu então compreendi. Os três entraram no carro e partiram para o funeral. E eu, besta que sou, me virei para o hospital e soltei a última baforada do cigarro, formulando a seguinte frase na minha cabeça: “De que adianta tudo isso, se a gente nunca conseguirá salvar as borboletas?”

Mas a menina, dentro do carro de sua mãe, com as mãos sobre o colo, e sobre as mãos a sua borboleta, já havia entendido algo que eu nunca poderei compreender. Pois quando a veterinária lhe explicou que ela não poderia salvar as borboletas, já que faz parte da natureza delas viver assim brevemente, a menina percebeu que as borboletas não querem, e não precisam de salvação. Pois, para elas, não existe perigo algum no voo, na queda, e nem mesmo no que chamamos de morte.

Lucas Esteves
Enviado por Lucas Esteves em 02/01/2014
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