AS ÚLTIMAS COISAS DO MUNDO (CAPÍTULO 2 - O ÚLTIMO SONHO)

Chegou em casa antes do anoitecer. Picou uma cebola, dois tomates e meio pimentão; temperou um pedaço de frango e foi tomar um banho quente. Saiu do banho, colocou um vinil para tocar, preparou a refeição e, antes de comer, lavou a louça cuidadosamente. Jantou e bebeu vinho tinto com de costume, voltando-se logo após novamente para a pia. Em seguida foi até a sacada do seu apartamento com um volume de poesias. Amava romances, mas amava mais a poesia do que o romance, motivado pela síntese daquela e pela sua maior potencialidade musical, isso por que, mais do que o romance e mais do que a poesia, amava a música.

Acendeu um cachimbo que não amava, contudo sentia prazer em fumá-lo. Não gostava de cigarros. Já fumara, mas na sua memória ficou impregnada a imagem de fumantes sem estilo, fumantes que estragavam o hábito de fumar. Com o cachimbo não havia isso. “Quem ousa fumar cachimbo, o faz com elegância.” Mas obviamente não falava isso. Sempre prezou pela boa convivência.

Quando o sol estava se pondo, pensou que em pouco tempo seria ele, apenas com uma pequena diferença de termos entre “morrer” e “se pôr”, mas essas diferenças de termos, pensava, não são relevantes para a vida prática, tampouco seriam para a morte.

Com a despedida do sol, as luzes artificiais da cidade ganharam destaque, transformando a paisagem da cidade, não em algo mais belo ou mais feio, mas algo totalmente diferente. Pessoas voltavam do trabalho para suas casas, outras saiam das suas casas para se divertir. Mesmo que de cima fossem todas iguais - formiguinhas a passos curtos - , ele sabia que de perto, nem o ser humano e nem mesmo as formigas, se pudéssemos realmente conhece-las, são de fato essas formiguinhas que conhecemos. Há muita diferença entre o que vemos de perto e o que vemos de longe, e ainda mais entre o que apenas vemos, o que vemos julgando conhecer e o que conhecemos de fato. Há muita diferença entre o povo que sai para o trabalho na segunda de manhã e o que sai para beber sexta à noite.

Era tão agradável estar ali. Estava, ao mesmo tempo, onde tudo acontecia, mas protegido em sua cadeira de balanço com seu cachimbo, de tal modo que dava a sensação de que tudo que acontecia, não poderia acontecer com ele. Era um sentimento de estar protegido sem estar excluído.

A temperatura baixou um pouco. Foi até a cozinha, pegou a garrafa de vinho que já tinha guardado, servindo-se de mais uma taça. Passou no quarto para pegar um cobertor fino e voltou para a sacada. Bebeu a taça até a última gota, leu o livro até a última linha e, antes de se dar conta de que tinha acabado, já começava a adormecer. Antes das onze já sonhava do alto de seu 7º andar. Umas três horas depois acordou, olhou para o relógio e, como uma criança que é despertada ao dormir na sala em frente à televisão, se esgueirou preguiçosamente para o quarto, onde dormiu feito um menino e pela última vez.

Lucas Esteves
Enviado por Lucas Esteves em 04/01/2014
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