A GAROTA, A CARTA E O QUARTO

''Ele pensava em dizer

O que ela sonhava em ouvir

Mas ele tinha medo de transparecer

O que ela poderia por outro sentir''

Talvez ele estivesse pensando nessas coisas na última vez que bateu a porta do seu apartamento. Por falar em porta, tanto ela, quanto o sofá e a cama, sentem sua falta. O seu violão está triste e não pode chorar, desafina-se voluntariamente. A porta da geladeira nunca mais irá ser aberta. Tudo o que guarda o seu cheiro, guarda a saudade. Na rua, as árvores por quais ele passava diariamente, também sentem sua falta. Elas perguntam para as pessoas que por ali hoje passam, se algum dia ele irá voltar. Mas é em vão, pois ninguém entende a língua das árvores. Certo dia desses, uma delas tombou ao chão. Dizem que foi um vento forte que passou, mas o certo é que foi a saudade, de alguém que por ali nunca mais caminhou.

Mas, voltemos nossa atenção para o apartamento. Voltemos para onde ele não volta mais. Acho que foi ontem mesmo que eu estive lá. Foi quando o seu violão, através de uma triste melodia, me contou que dias atrás uma garota também lá esteve. Ela entrou em silêncio, dando a triste notícia de que ele não iria mais retornar - como se adivinhasse que os objetos estivessem esperando a sua volta. Depois disso deitou sozinha em sua cama e por ali ficou várias horas. Ali desabou a chorar. Ficou tentando imaginar tudo o que ele pensava nas noites antes de dormir. Foi quando uma voz quebrou o quase silêncio dos soluços, pedindo para ela abrir a primeira gaveta da cômoda que ficava ao lado da cama. Lá ela pegou um envelope com seu nome e lá mesmo leu a mais linda carta de amor que alguém poderia ter escrito. Não restava mais dúvidas, ele a amara.

Foi neste momento da narrativa (melodia), que eu olhei para janela do seu quarto no sétimo andar, ela estava aberta. Fiquei com um frio na barriga ao chegar perto. Mas senti um enorme alivio, quando lá em baixo, vi apenas crianças brincando no jardim. Ela não poderia pular, pois se assim fizesse, estaria matando não só a si mesma, mas também o sentimento que ele deixou nela, seria um duplo crime. Ela sabia que continuar a viver era preciso, mais do que nunca. Pois esta não é uma história sobre morte, mas uma história sobre vida, de como ele irá viver de agora em diante, dentro do coração dela e de todas as demais pessoas com as quais ele tenha convivido.

Enquanto eu escrevo isto, vejo em minha frente uma linda garota e a reconheço. É a mesma de uma foto que ele me mostrou algum tempo atrás. É ela, tenho certeza. E como ela é linda. Talvez eu deva ir falar com ela, não, talvez não...

''Eu penso em dizer...''

Lucas Esteves
Enviado por Lucas Esteves em 23/01/2014
Reeditado em 23/01/2014
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