O furacão.
            -Lava esse carro direito, ouviu Gardenal? – disse Rogério sorrindo sentado na mureta do bar. – É meu casamento, quero esse opala bem limpo.
            -Esse serviço de hoje é de graça - Disse o lavador de carros – é que parece que foi ontem que você corria pirralho me atentando no meio das mesas de sinuca procurando seu pai, hoje é um baita lutador de vale tudo, vi sua luta na TV, você acabou com o alemão – ele fez um gesto com a mão fechada simulando um golpe.
            -Para de puxar o meu saco, só quero saber se está tomando o seu remédio? – disse Rogério. – Você parou de fumar maconha?
            Gardenal limpou o pano e torceu, levantou a cabeça e disse.
            -Se seu pai estivesse vivo... Eu sei que ele estava metido com coisa errada...
            Rogério fechou a cara, ele não queria ouvir falar no velho. O homem abandonou a família, deixou a mãe, morreu na sarjeta, gente daquela espécie morre sozinho e bêbado, com certeza hoje não queria falar no velho, dos aniversários que encontrou ele bêbado, sentia vergonha.
            -Você têm terno para ir ao casamento? - perguntou Rogério – dessa você não foge.
            -Roupa boa mesmo só tenho uma calça e essa camisa do flamengo, caralho eu não tiro nem pra dormir.
            -Vou trazer um para você, do velho, a Camila quer você de padrinho – disse Rogério.
            Gardenal sorriu e mostrou que tinha três dentes faltando.
            -A Camila é o seu grande prêmio Furacão, não têm luta que você ganhe que dê prêmio igual, coloca ela no pedestal, cuida dela, faz dela a sua rainha.
            -Espera um momento que já vou lá em casa rapidinho e busco o terno. -Rogério desceu até a casa, Camila já tinha saído, estava se arrumando para o casamento, ele beijou a mãe, pegou o terno velho do pai e desceu a rua para entregar para o amigo, gostava de Gadernal, o lavador de carros representava uma coisa que seu pai nunca foi, o homem honesto, trabalhador, que ganhava o dinheiro no suor das ruas, o que o pai de Rogério nunca foi, vivia bêbado metido em negociatas, contraia dividas que a sua mãe tinha que pagar depois. Gardenal casou com uma mulher que já tinha seis filhos, cuidou de todos com o trabalho de lavador de carros, Rogério respeitava o amigo e foi ele que insistiu com Camila para que Gardenal fosse o padrinho.
            Descia devagar as duas quadras que separavam a casa da mãe da esquina que estava o seu carro, mas percebeu o tumulto quando cinco rapazes espancavam um homem, estremeceu quando viu o amigo Gadernal sujo de sangue e as pessoas sem fazer nada, saiu correndo para ajudar.
            -Vamos igualar essa briga – disse Rogério, treinado em lutas, derrubou três dos agressores que diante do lutador pareciam um bando de viciado.
            Ouviu o amigo gritar todo machucado.
            -Sai Furacão, essa briga não é sua.
            Rogério não saiu, a briga continuou por cinco minutos, e os cinco agressores ficaram caídos, quando Rogério virou-se para ver onde estava Gardenal, queria levar o amigo para um hospital, uma menina de doze anos, com menos de um metro e trinta de capuz estava parada a sua frente e apontava o cano de uma arma para cabeça de Rogério.
            -Perdeu playboy – disse a menina, que ainda tinha uma voz de criança, ela atirou e derrubou Rogério com um só tiro.
            Gardenal ainda gritou.
            -Não, meu Deus, ele vai se casar hoje – ninguém ouviu, as pessoas paravam horrorizadas e nada mais.

*********
Rogério acordou em uma praia, um local paradisíaco, folhas e ventos fortes batendo, não se lembrava de nada, nem mesmo da família, nem quanto tempo durou, nem do seu nome, havia um homem com uma roupa branca, uma bata, ele não sabia dizer que tipo de moda era aquela, ou se era uma coisa teatral, parecendo com um dos senadores da Grécia antiga, sentado no monte de arreia comendo o que parecia ser uma maçã, Rogério subiu até o monte se sentou ao lado dele e lembrou-se de tudo, começou a chorar.
            -As lembranças fazem a alma doer não é mesmo? – disse o homem – tomei decisões erradas, acho que você tomou uma dessas, deixou família e filhos para salvar um drogado de rua, quanto vale a vida humana?
            -Onde estou? Aqui é tão bonito, será o céu?
            -Você não merece o céu ainda Rogério, acho que eu muito menos, ainda existe muito rancor no seu coração...
            -Quem é você? Deus, Jesus? – perguntou Rogério, porém o homem mantinha-se quieto, alto magro, parecia realmente apreciar a fruta.
            -Não, pessoas ilustres procura por aqui, digamos que um deles o filho me deu essa missão, pois no entendimento humano são pessoas, no nosso são essências.
            -Eu estou morto?
            -Ainda não, está em coma, estou aqui para medir a sua coragem, não a coragem da arena de gladiadores onde andavas, mas a coragem para sobreviver e ter uma vida difícil.
            -Quero muito sobreviver, me casar é tudo que quero – disse Rogério.
            -O ser humano vive dessa palavra, não é? Eu quero, eu posso, eu faço e dane-se todo o resto, eu não disse que voltará a vida e terá pela frente belos natais, não – ele deu uma mordida na maçã. - Eu disse uma vida difícil, cercada de dificuldades, na cama, sem enxergar, sem falar por longos quatorze anos com uma única pessoas a seu lado, sua mãe.
            Rogério sorriu.
            -Estou sonhando, não é possível prever o futuro. Nem mesmo para Deus...
            -Passado, presente, futuro... Conceitos que não valem aqui.
            -Para quê essa escolha, então, porque simplesmente não me manda de volta?
            -A essência do universo é escolha, todos nós temos os nossos momentos de péssimas escolhas.
            Uma mulher linda de cabelos pretos acenou perto da praia, Rogério percebeu a imensa beleza mesmo a distancia.
            -Minha mulher me chama – disse o homem levantando – é tudo o que me prende aqui, deve escutar a sua mulher rapaz, se um dia tiver a chance de ter uma.
            -Então por que está aqui? – perguntou Rogério de Pé.
            O homem guardou cuidadosamente o resto da maçã e desceu o morro e disse.
            -Lembre-se a verdadeira coragem não está em lutar em um ringue, a verdadeira coragem está em enfrentar situações difíceis.
            -Eu não consigo... – chorando.
            O homem começou a descer o morro de arreia mais depressa, porém a mulher sumiu, então ele ficou de joelhos e pareceu implorar para o céu, Rogério gritou.
            -Preciso de ajuda.
            -Você teve, por isso estive aqui – disse o homem com a voz cada vez mais distante.
            -Quem é você? – gritou Rogério.
            -Pilatos.
            Rogério acordou após seis meses de coma, mexia apenas a mão direita, não falava, parecia preso em seu corpo.
            Olhou para cima e viu Camila, a velha Mafalda, mãe de Rogério e Gardenal.
            “Ele mentiu” – pensou Rogério.
            Foi quando ouviu o médico dizer.
            -Será uma recuperação difícil, mas ele vai conseguir.
            Camila beijou nos lábios de Rogério e ele sentiu o gosto do verdadeiro paraíso.
 

musica de Bob Dylan, porém a musica excede os 20 megas permitidos pelo recanto, por isso tivi que colocar outra musica
 
JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 04/02/2014
Reeditado em 04/02/2014
Código do texto: T4678018
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