Restos sentimentais.
 
                -Me ajuda – disse de mãos tremulas, maquiada, escondendo a verdade com tinta, não estava com seu sorriso habitual, não havia luz, só as trevas do engano.
                -Como? – disse o homem, que ela nem conhecia direito e que parecia interessado em sua figura bem cuidada e que ela sabia ser importante. -Sabe que tenho família, mulher e filhos. – O homem sabia que era um prêmio de consolação que ela já havia tentado todos os meios, um ato de desespero. O homem maduro sabia que não era bonito, porém tinha uma posição, nem tinha tanto dinheiro assim, mas aparentava ter, andando na beirada de um abismo, chefe e dono da loja onde ela trabalhava ele está praticamente falido.
                -Não tenho o que comer, meus filhos estão passando fome... O salário que ganho aqui não dá pra nada, só o meu aluguel é o meu salário. - Um homem sabia  o que ela estava oferecendo de barganha, aquilo nada tinha de sentimento, era apenas um ato desesperado de uma mulher acostumada a luxos e que de repente  viu-se só em um mundo carniça. Na selva, sem dinheiro na pobreza extrema, por mais guerreira que fosse ela sucumbiu a luxos e vontades, então caiu diante daquele homem maduro de cinquenta e cinco anos que havia feito um simples gracejo sobre a sua beleza ela expunha a vísceras de uma mulher sem pudor se oferecer com troca.
                Ele levantou e encostou a sua mão na mão dela, ela estava vulnerável, mas aquilo nada tinha de emocional, ele sabia que era uma escalada do narcisismo, da estética, do cosumo, necessidades idiotas, vontades e nada havia entre homem e mulher de tão concreto como a relação econômica, apenas uma mercadoria sendo oferecida: amante por um pouco de estabilidade e vida “feliz”.
                -Não vou dizer que não é bonita, acho muito bonita, quero dizer que tem uma coisa... – disse ele e apertando a mão dela, então continuou – por que não ficou com seu marido?
                -Não era feliz – ela disse – a gente tem que ser feliz, não tem?
                -Você é feliz agora? – ele perguntou – sem o conforto que ele lhe proporcionava?
                -Não.
                O celular tocou, ele desligou.
                -É sua esposa? Pode atender – ela disse, sem mostrar remorso, afinal era a sobrevivência dela que estava em jogo, que se dane a outra, ela já teve o que merecia.
                Ele balançou a cabeça, suspirou fundo, não é que estava desprezando o interesse sexual que tinha por ela, nem mesmo sabia se teria o desempenho de um amante, pois havia tantos problemas para resolver e o que ela estava pedindo era impossível, ele tinha muitas dívidas e o sexo era apenas uma diversão, o personagem conquistador nem combinava muito bem com um homem de cinquenta anos com duas coronárias entupidas e uma dívida impagável com o banco, mesmo assim ele falou.
                -Está bem, vou te ajudar – ai os dois se beijaram e se abraçaram, ela com esperança, ele sabendo que tudo nunca deveria ter acontecido. Carregados de uma libido infiel, aconteceu um ato brutal, que deixou os dois com sensação distinta, ele com vontade de sumir e procurar um lugar seguro, longe daquela mulher, ela com sentimento de perda, inundada por uma imundice que só a alma conhece e que o corpo releva.
                O telefone tocou novamente.
                -Preciso atender – disse ele.
                Enquanto ela vestia a roupa ele pegou um bolo de notas, não mais que trezentos reais em notas de dez e cinquenta, dinheiro que usaria para pagar a TV a cabo e entregou para ela, ela quis dizer não, ele dobrou o dinheiro e colocou no bolso da calça e depois deu um beijo leve nos lábios dela, rápido fugitivo, bem seco, ela quase não sentiu.
                -Preciso ir, posso te ligar? – ela disse pegando a bolsa na cadeira ao lado. Ele balançou a cabeça afirmativamente, porém nunca atenderia aquelas ligações.
JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 15/02/2014
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