Cansei de ser Feliz Sozinha.

Era o fim de um casamento de 25 anos. Bodas de Prata!

Tinham sonhado por muito tempo em comemorar essa data com uma “big” festa.

“Um vestido novo pra Mãe, com decote nas costas. Um terno branco para o Pai.E a missa? Quem vai cantar?” Estes eram os planos da Mãe e dos Filhos, observados de longe pelo Pai. Sonhos.

O casamento chegou ao fim naquela manhã. Mas já havia se acabado hà muito tempo.

Os Filhos mais velhos escutavam cabisbaixo a explicação do Pai:” Nós tivemos uma vida boa juntos! Lutamos, trabalhamos muito, rimos e choramos juntos. Mas acabou.”- afirmou o Pai.

“O que foi que acabou?” – quis saber o Filho mais velho.

“Tudo”. – respondeu o Pai.

“O Senhor tem uma Amante, é isso?” – Perguntou o Filho do meio.

“Bom, isso é natural né gente? Eu sou novo ainda.” – respondeu o Pai. O terceiro Filho lançou um olhar ao Pai, mas nada disse. A Filha mais nova que sempre foi mais tranqüila, perguntou:

“E a Mãe? Como é que fica nessa história toda? Cadê ela?.”

“Sua Mãe foi na igreja, disse que queria ficar um pouco sozinha.”

“Mas Pai – argumentou a Filha – como pode depois de todos esses anos, depois de tudo, o Senhor abandonar ela assim? Vocês sempre se amaram. A Mãe sempre foi uma mulher feliz. O Pai não respondeu, a resposta era cruel demais. A verdade é que ele havia se apaixonado por uma mulher mais jovem, a Amante. Já estavam há quase três anos juntos, desde que ela tinha 17 anos. Ele, mais velho que ela mais de 30 anos, experiente, ensinou-lhe tudo direitinho, do jeitinho que ele gostava. E sua Amante aprendeu tudo muito bem. A Mãe não sabia mais fazer essas coisas. Enquanto os Filhos tentavam convencer o Pai da grande besteira que estava fazendo, a Mãe, sentada no primeiro banco da Igreja vazia, segurava a bolsa com as duas mãos no colo e olhava fixamente a imagem de Jesus pregado na cruz. Relembrava cada dia daqueles quase 25 anos. Lembrava de tudo, Tim-tim por Tim-tim. No dia do casamento, ela sorrira porque estava realizando um sonho, no nascimento de cada um dos quatro filhos ela sorrira porque realizava outro sonho. Cada bom momento que passara com os filhos ela sorria porque era feliz. Ela fora feliz, deduziu. Realizou muitos sonhos. “Deus me concedeu muitas graças, durante minha vida. Eu fui feliz. Devo me resignar e aceitar os novos caminhos do Pai. Devo abençoá-lo. Deixá-lo seguir sua vida em paz” – falava baixinho como se estivesse rezando -. “Agora sozinha vou seguir outro rumo...não, não estou sozinha, os filhos são casados, tenho netos, vou cuidar deles...afinal, o Pai nunca estava presente em nada mesmo, sempre tinha um campeonato para participar , nunca estava em casa aos finais de semana, era campeonato de futebol, de bocha, de sinuca, até de frescobol ele apareceu falando uma vez...enquanto isso, ela cuidava da casa e via feliz os filhos crescerem em volta dela. Ela fora feliz e pronto. Estava decidido.” Precisava aceitar os desígnios de Deus.

Naquela manhã quando o Pai disse-lhe que iria embora de casa, ela já sabia. Sabia sim desde aquela tarde na fila do Banco há quase um ano quando viu um casal conversando com o gerente.Ela reconheceu o marido na hora. Foi pra casa. Ficou lá horas parada lembrando da cena, a mocinha (parecia a filha deles) sorrindo, com a mão no braço do seu marido, segurou-lhe a nuca e deu –lhe um beijo na boca. Ela quase perdeu os sentidos, mas foi forte para sair discretamente do Banco e ir para casa sem fazer escândalos. Detestava gente escandalosa. Aos poucos ela foi prestando mais atenção ao Pai, estava mais sorridente, assoviava pela casa, comprara roupas novas. Então ela já sabia naquela manhã, depois de quase um ano, que ele iria embora. Nestes meses ela encontrou dois bilhetes da Amante para o marido, uma chave da qual fez uma cópia discretamente, e um recibo de aluguel de um apartamento em um condomínio não muito longe da casa deles. Ela então passou a esperar. Ainda não tinha certeza do que esperava até aquela manhã. A Mãe não chorou, não gritou, nada exigiu, nada disse. Pegou a bolsa e foi para a Igreja. Agora tinha que enfrentar a vida. Estava sozinha e daí? Ela fora feliz .

Fez o sinal da cruz e pensou:” Esta é a casa de Deus. Jesus está ali, sozinho o tempo todo. Será que Ele foi feliz? Como poderia ter sido se sofreu tanto...” Abriu a bolsa e conferiu o que tinha dentro como a ter certeza de que estava ali tudo que precisava e saiu da Igreja. O sol do meio dia cegou – a por uns segundos. Mas estava decidida.

Em casa, os Filhos ainda sem compreender tudo direito e sem saber o que fazer olhavam o Pai que parecia muito abatido com a situação.

“Mas foi ele que arrumou tudo isso, porque está assim? Deveria estar alegre. Talvez esteja arrependido.” – Pensava o filho mais velho.

“Acho que o Pai não está muito certo do que quer fazer.” – Pensava o Filho do meio.

“Eu tenho que fazer alguma coisa!” – Pensou o terceiro Filho.

“Cadê a Mãe!” – pensava a Filha.

Como a Mãe demorou para voltar pra casa, cada um seguiu para seus afazeres, pensando que mais tarde voltaria, ou então ligaria para saber se estava tudo bem. O Pai, pegou uma bolsa pequena e timidamente colocou lá umas peças de roupa. “Volto amanhã para pegar o resto “ – pensou.

A Mãe que já sabia o que iria fazer, deu umas voltas pelo centro da cidade, comprou um vestido novo e um óculos escuro. Tomou um copo de suco de laranja e seguiu seu destino, foi parar em frente ao condomínio onde morava a Amante e esperou calmamente.Viu quando o Pai chegou, com uma maleta, no apartamento da Amante no final da tarde. E continuou lá sentada, impassível. O Pai entrou, soltou a maleta e foi para junto da Amante que preparava o jantar, beijou-a e com um copo de vinho na mão, contou-lhe como foi a conversa com os Filhos. A Amante perguntou sobre a Mãe, ele lhe disse que ela havia saído de manhã e até aquela hora não havia retornado.

“Mas como é isso? E ninguém foi atrás dela?” – perguntou a Amante.

“ Bom, uma hora ela vai voltar para casa né? Onde mais ela iria?” – respondeu o Pai.

Jantaram, riram, brindaram, aliviados e cheios de sonhos e planos para o futuro. “Agora nada mais importa, não temos que nos esconder” – pensava a Amante.

“Ufa! Que peso tirei dos meus ombros.” – pensou o Pai.

As luzes do apartamento se apagaram depois da meia noite, e poucas pessoas repararam na mulher sentada no banco da praça em frente ao condomínio, ela estava por ali há horas mas poucos se importaram com isso. Cada um tinha muitas coisas em que pensar.

Assim que tudo se acalmou por ali, a Mãe, entrou no prédio tranqüilamente, junto com dois rapazes que chegavam de alguma festinha naquela hora. Ela já sabia qual era o apartamento, estava no recibo, que ela guardava dentro da bolsa. “Por garantia” – pensou.

Subiu ao terceiro andar, pegou a chave e abriu a porta. Entrou cautelosamente, tentando ouvir se tinha alguém acordado, mas aquela hora os dois já estavam dormindo. A Mãe, ainda ascendeu a luz da sala e foi diretamente pelo corredor procurando o quarto. O casal dormia, nu, um nos braços do outro. A Mãe, abriu a bolsa, tirou uma arma e descarregou no casal. Largou a arma, foi até o banheiro e escreveu com batom vermelho no espelho: “Cansei de ser feliz sozinha.”

Saiu do apartamento da mesma forma como tinha entrado e foi pra casa. Tomou um banho, vestiu uma camisola e foi pra cama. “Preciso descansar”- pensou –“amanhã será um longo dia.”

Cristina Oliveira

Março de 2007