Ruas Vazias

Depois de mais um tedioso, repetitivo dia de trabalho, decidi encontrar-me com uma amiga (tão raras por estes dias) pra falar da vida, por saudade, pra sair da rotina, pra tudo isso ou pra algo mais.

Ficamos em uma das praças da cidade, a praça central, a "Vila do Doce". Jantamos em uma mesinha de plástico, comida japonesa e como sempre, fico muito eloquente perto dela, e quase não a deixo falar. Horas de histórias, curtir um tempo bom. Ela ri despreocupada das minhas desventuras, sorri para os meus desamores. O sorriso dela me leva a sorrir também. Parece tão interessada...

Sinto que sou querido em seu coração.

Outros amigos dela chegam, o primeiro, um enfermeiro gay, efeminado, teatral, um tipo engraçado de se observar, tanto pelas histórias quanto pelas caretas. Depois chega outro, que também é gay, mas só se percebe quando conversa (ele parece o Capitão Gancho), junto a uma garota bem maluca e de fala estranha. Eles já são amigos a anos, sou apresentado e fico por ali, mais de platéia. Falta a intimidade, percebo que em alguns momentos ficam desconfortáveis.

"Vou indo" É o que digo. Não gosto de atrapalhar, e já me diverti. Queria ficar mais, mas aí eu é que me sentiria desconfortável.

Estou a pé. Andando um pouco pelo centro, descubro que, na verdade, não estou afim de ver pessoas, por mais que estivesse num lugar cheio delas. Decido ir por ruas mais vazias, ainda que o caminho seja mais longo. É uma noite não muito clara, mas não muito escura também. A rua pela qual caminho, fica ao lado de um rio. Rio morto. O cheiro de putrefação infesta o ar noturno e invade minha narina como um tiro e não me surpreende. Conheço esse cheiro desde que sou criança, essa mistura de terra podre com urina de bicho e gente.

E vou seguindo pelos locais mais vazios possíveis, as casas, todas, me intimidando, temendo-me, ainda que não precisem. A iluminação pública falha, que pisca e apaga, reacende, vai, volta, clareia, escurece... O único som é o dos meus passos. A única voz é a do meu pensamento. Me sinto capaz de entender uma das máximas de Nietzsche: "Deus está morto."

E quando você anda pela solidão, pelas mórbidas torres de pedra que erguemos, todas vazias, você realmente compreende que ali, naqueles lugares e ruas, não havia Deus nenhum! Não havia fé! E era difícil entender o que havia nas pessoas e nas cidades, cada vez mais difícil.

Chegando no bairro onde moro, faço um longo caminho pela avenida, que leva pra uma parte alta, de onde é possível ver a represa da cidade, uma parte dela, de um muro de arrimo relativamente baixo. Debruço sobre o próprio e fico ali, perdendo minutos, queimando os segundos, olhando a represa sobre a pouca luz da noite.

Uma bruma densa, branca, fantasmagórica, revolve sobre a superfície da represa, segue uma corrente de ar, como escrava do vento que é, e depois rodopia pra cima e some, sem dissipar ainda sim. Sinto o cheiro de grama cortada, sinto a textura do cimento marcar na palma da minha mão. Escuto um grilo, um gato, e depois nada.

Chegando em casa. Penso nisso tudo.

Penso em minha amiga, e o que ela acharia disso, essas sensações malucas que me levaram noite afora? Como se sentiria, se fizesse esse caminho (ao meu lado, ou sozinha)? Como se sentiria? Um pouco mais realista, me pergunto se ela apenas teve um bom momento como eu tive em sua companhia. Ligo o computador. Coloco algumas músicas pra tocar, da banda Mazzy Star. "Fade Into You", "Flowers In December", "Common Burn", "Give You My Lovin", "Take Everything". Me deixo embalar, deitado em minha cama, quase morto, olhando pro teto, esqueço até de respirar. Me levanto e vou escrever.

Algo está me atacando de dentro pra fora. Mas o quê?

Vinícius Risério Custódio
Enviado por Vinícius Risério Custódio em 09/05/2014
Reeditado em 30/04/2016
Código do texto: T4799677
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