Em um dia de chuva

“Por que o barulho da chuva tem som de saudade?”

Chove forte lá fora, e essa pergunta não me sai da cabeça. Eu a li em algum blog hoje de manhã, enquanto fazia sol. Fazia sol, e tudo estava bem. Fazia sol e os pássaros cantavam lá fora, alegremente. Fazia sol e havia até algumas borboletas fora de época voando serelepes pelo jardim. Jardim cujas últimas flores da primavera ainda brilhavam. Mas chegou à tarde, e com ela pesadas nuvens. Eles nem esperaram. Nem se despediram e todos se foram. Em alguns minutos, começou a chuviscar. Primeiro aquela chuvinha gostosa, boa pra dormir. Aquela na qual crianças grudam na janela apostando corrida de gotas. Depois vieram os raios e trovões. Eu, com meus quase vinte anos, preciso admitir: fiquei com medo.

E agora ela... bem, não acalmou, ainda tem raios e trovões. Mais do que no começo, eu acho. Mas eu a admiro. Estou sentada à janela, contemplando os raios. Melodiando os trovões. Meu gato, aos poucos, vai perdendo o medo e se aconchega em minhas pernas. Seu pelo é macio...

Mas eu sinto falta. Sim... costumávamos sentar todos nós em dias de chuva. Sentávamos na sala e acendíamos velas. As luzes iriam cair de qualquer maneira, então já as deixávamos desligadas. Tirávamos tudo da tomada! Normalmente, eram histórias de terror. Ou talvez de um amor perdido. Às vezes era uma história de aventura! E cada um contava um pedaço e sempre a coisa fugia do controle. Sempre ficava algo tão surreal e ridículo... no final era sempre uma comédia. Se eu sinto falta daquilo? Bem... todos se foram. Eu quase não me lembro de seus rostos. Ou de suas expressões. Eu era tão criança, não tem como me lembrar.

Meu gato dorme silenciosamente. Tem pequenos espasmos aos trovões. É hilário ver seus pelos eriçando, mesmo enquanto dorme.

Por vezes, eles me visitaram aqui em casa. Meus amigos. Mas depois de um tempo, todos eles pararam de vir. Todos me deixaram. Eu nunca tive uma família muito próxima, então é difícil eles virem pra cá... e todas as vezes que eles vieram, meus amigos disseram que era melhor eles não entrarem. Minha família nunca acreditou nos meus amigos. E eles sempre forçavam meus amigos a irem embora, diziam que não eram reais, que eram apenas vozes na minha cabeça. Mas... como eram só vozes na minha cabeça se eles tinham seus próprios corpos e faces e pensamentos? Explique-me isso! Bem... meus pais nunca conseguiram me explicar... mas meus amigos sumiram... isso foi há anos...

Meu gato gosta de mim. Mesmo sem que meus amigos vão embora, ele gosta de mim. Ele sempre gostou. Mas ele nunca gostou da chuva. Aliás... não está mais chovendo. Eu imagino que horas são agora. Mas o relógio está longe. Pela janela, eu vejo uns vultos baterem à porta. A princípio eu não ouço. Preciso me concentrar. Minhas cabeça dói um pouco, mas agora eu consigo ouvir as batidas. Está escuro, mas como não reconhecer aquelas vozes? Espero que continue chovendo. Agora que já não estou mais sozinho.

Meus amigos voltaram.

Bekah
Enviado por Bekah em 01/06/2014
Reeditado em 02/07/2016
Código do texto: T4828197
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