PÓ DE GIZ

Renato corria feito louco pela rua. Estava escuro, e a pouca iluminação deixava o ambiente mais sombrio do que já estava. No encalço do jovem, seguiam aproximadamente outros dez, ou mais, Renato não sabia precisar. Sua respiração estava acelerada, seu pulso agitado, e o som do choque de seus tênis com a terra das ruelas pareciam bombinha estourando. O jovem era capaz de sentir em sua nuca o bafo de seus algozes. A gritaria rompia o silêncio da noite.

A corrida continuava desenfreada, vez por outra Renato ouvia o disparo dos fuzis, e o chispar das balas passando perto de seu corpo. Ele não conhecia muito o lugar, e isso deixava a figa ainda mais complicada. Talvez em sã consciência jamais tivesse ido naquele lugar, mas uma coisa mais forte que ele o dominava, deixava-o escravo, e sem consciência dos seus atos, e do perigo que iria enfrentar naquela aventura. Se bem que para ele não restara muito, sua família já havia desistido, estava só, sem amigos, sem dinheiro, sem nada. Não estava arriscando muita coisa, em sua recente vida já não havia muita coisa a perder, desde que sua dignidade se fora, há algum tempo atrás.

À medida que o tempo passava sentia aumentar seus perseguidores, os corredores de paredes úmidas, se apresentavam cada vez mais estreitos, e as balas pareciam passar cada vez mais perto. Sentiu se braço queimar, um zunido rápido, e o projétil se arrebatando numa parede qualquer. Passou de raspão, mas o suficiente para fazer sangrar seu corpo pela primeira vez.

Quebrou para a direita, passando por dois barracos. Estava quase chegando ao asfalto, e quem sabe a sua liberdade. E à glória. Em suas mãos um pacote com umas duzentas gramas de cocaína, surrupiados dos traficantes. Teria estoque para se manter por um longo tempo, ou quem sabe sair desta vida com uma overdose de despedida. Sem dinheiro algum, e com uma grande dívida com os vendedores, não lhe restara outra alternativa, a não ser roubar. Era mais forte que ele, era um anseio, um desejo, uma dominação a qual não podia se livrar. Assim se metera naquela aventura insana.

Estava quase saboreando o gosto da vitória, quando o amargo do sangue jorrou de seu peito, e subindo até a boca. Um tiro lhe acertara em cheio. Seu corpo ficou inerte. Sua visão foi se confundindo em várias imagens. Via sua vida passar em slides desfocados, assim como sua história até ali. Arrependeu-se ali mesmo, e pediu perdão a Deus. Enquanto rezava um Pai-Nosso sentia seu corpo sendo mutilado por outros setenta tiros. Então suas pernas arquearam, e seu corpo caiu inerte.

Um dos traficantes se aproximou. Pegou o pacote manchado de sangue, empunhou seu fuzil, disparou algumas vezes para o alto, e ordenou o retorno. Ele e o bando subiram o morro, felizes. Cantarolavam uma canção qualquer, que se sobressaía sobre o silêncio de um povo que se escondia assustado dentro de seus barracos, e agradeciam por suas vidas.

Douglas Eralldo
Enviado por Douglas Eralldo em 11/05/2007
Código do texto: T483293
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