O Senhor Ninguém

SENHOR NINGUÉM

O Senhor Ninguém não sabia onde nascera, nem de onde viera, era um pobre miserável perambulando sem destino. Sua morada eram os lixões, de onde tirava seus alimentos e alguns trapos para vestir. Seus amigos eram os urubus, que lhe faziam companhia na disputa pela sobrevivência.

Ele não era ninguém, mas alimentava uma vontade indômita de algum dia ser notado por alguém, como alguém que existisse, alguém que pudesse ser cumprimentado por outro alguém no meio da multidão, essa era sua única ambição na vida. Mas tudo não passava de um sonho, porque ele era apenas um farrapo humano, sem esperança no amanhã.

O Senhor Ninguém tinha um carinho todo especial por um pacote que carregava sempre em baixo do braço, para todo lugar que andava. Era uma calça jeans e uma camisa do Corinthians achada no lixão. Só faltava um tênis, mas o dia que ele o encontrasse, ah! Faria uma festa e desfilaria pelas ruas como se fosse alguém.

Tanto procurou que achou o tênis para completar sua indumentária, estava na verdade, com a sola furada, mas isso não fazia diferença alguma, afinal era um tênis importado... Dirigiu-se até ao rio próximo ao lixão, para passar uma água no corpo. Embora a água não fosse limpa, mas resolveria seu problema. Arrancou os trapos do corpo e passou a banhar-se como pôde. Sentado na pedra, enxugou-se com a camisa velha. Calmamente, desembrulhou o pacote com ares de satisfação de quem desembrulha um presente, vestiu a calça, a camisa e, por último o tênis. Já vestido, deu uma olhada de cima a baixo para o seu novo visual, estufando o peitoral com um sorriso de aprovação. Ergueu a cabeça e pensou: “agora vou ser alguém!”

Pôs-se a caminhar pela multidão virando a cabeça de um lado para o outro, na esperança de que alguém o notasse e, quem sabe, até o cumprimentasse. Seu coração batia acelerado, devido a ansiedade e a emoção da possibilidade de ser notado por alguém. Mas, ninguém o notara... Nem ao menos olhava a sua figura, era apenas mais um rosto na multidão.

Sentindo-se frustrado, decidiu mudar de calçada, na outra... quem sabe... Mas distraidamente, ao cruzar a rua, cabisbaixo, triste e pensativo, repentinamente, um carro foi ao seu encontro prostrando-o no asfalto.

O trânsito parou. Alguém fora atropelado. Uma multidão aglomerou-se ao seu redor. Ali, no asfalto manchado de vermelho, havia ALGUÉM, que queria ser alguém. O Senhor Ninguém.

Luiz Pádua
Enviado por Luiz Pádua em 13/05/2007
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