Um texto qualquer

Rickson que estava eufórico exclamou, diante das pessoas que andavam na rua:

-Ah, se eu pudesse descrever a beleza que sei que há, que existe naquela canção que é incrível. O violonista faz a gente voar, vontade de dormir, não aquele sono pesado, mais aquele de acalanto dos bebês que escutam a mamãe cantarolar e entregam-se ao descanso das pequenas almas que são. Ah, se eu tivesse o dom da palavra, expressaria de tal maneira o que sinto, que muita gente, quiçá todos, ficariam pasmos e com olhos cheios d'água. Mas acredito que depende muito de como vemos as coisas e não de quem vê as coisas.

Mais depende de como vê... de como vê... de como vê. E retirou-se.

Uma garota de treze anos, chamada Poly Bain, estava tudo escutando detrás de um muro, onde estava chorando antes dele chegar, saiu dali pulando num pé e outro, como quem brinca de amarelinha, ia dizendo: Eu também vejo, eu também vejo, eu vejo! E rindo satisfeita foi à sua casa.

Poly Bain tinha um problema congênito que a fazia esquecer os rostos, até mesmo das pessoas de sua família, para compensar isso ela gravava as vozes das pessoas e assim, cada dia foi se apaixonando pelas palavras, pela palavra falada, discursos, palestras; desse jeito lembrava os nomes e as pessoas.

Alguém aí queria saber por que ela estava chorando? Não?! Mas não importa, vou contar do mesmo jeito, ela esqueceu o rosto do pai. Isto deixou a garota num labirinto mental cruel, queria lembrar, porém a pequena Poly não conseguia.

Quando ouviu as palavras daquele rapaz, algo que ele disse lembrou a voz do pai, o que já era alguma coisa, a palavra "quiçá", seu pai a usava várias vezes em qualquer oportunidade. Ela ficou atenta a cada palavra daquele arauto das emoções, tudo que ouvira fez algum sentido.

Por isso que saíra tão contente, pulava como só as crianças sabem fazer.

Chegando em casa, disse à mãe: Lembrei do papai hoje!

E sua mãe não disse nada, antes foi ao quarto para disfarçar o choro.

Diante de um misto de alegria pela filha e tristeza por si mesma, a mãe deitou-se na cama e adormeceu, aquele sono de fuga que de vez em quando dormimos. Por uma hora sua filha que estava tão refulgente, como uma estrela em noite de verão, lia seus livros e respondia questões da escola na humilde mesa que ficava na cozinha. Uma hora depois a mãe desperta, indo ver a filha que estava compenetrada no estudo, acalenta sua cabeça e abaixando dá-lhe um beijo daqueles que só as mães sabem. Splash! Estalou o beijo na face da pequenina, que meio tímida, diz baixinho: Obrigado mamãe! E encolheu-se como costumam os filhos fazer na sua timidez infantil, tentando concentrar-se na lição que estava fazendo.

De repente a menina que era inteligentíssima, diz: Mãe, sei que papai não voltará, porque quem parte para a morte jamais regressa, mas veja, veja, o que ele nos deixou, nos deixou a certeza que fomos amadas e que ainda somos uma bela família. Você é a mãe, eu, sua querida filhinha!

A mãe riu daquilo e sem perca de tempo, foi de encontro à sua filha, olhou em seus olhos, disse: Poly, você é a cópia de seu pai, sempre vendo a vida com esperança. E a abraçou, com o abraço de mãe mais quente daquele inverno!

E a Poly Bain, começou a escrever no seu diário no dia seguinte:

"Querido diário...

Começamos a ver, ver dias melhores, a mamãe já está sorrindo e eu continuo estudando muito, virão dias melhores, porque não depende de quem vê, mas de como vemos e nós vemos um futuro lindo, nos vemos destinadas a sermos felizes nesse futuro que lutaremos para ter, eu e a mamãe venceremos."

Poly Bain... 12/Dezembro/2010..

José Lins Ferreira
Enviado por José Lins Ferreira em 01/07/2014
Reeditado em 02/07/2014
Código do texto: T4865443
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