OMUNDO

O sujeito chamava-se Omundo. Chegou por essas bandas numa época distante – porém tão indigna quanto a atual – falando um idioma estranho, embora meigo. Suas palavras ninguém entendia, mas diziam que ele compreendia tudo o que diziam. Rapidamente aprendeu o nosso idioma, mas ainda assim, suas palavras nunca foram entendidas, embora sempre apreciadas. Elas chegavam docemente aos ouvidos dos homens, mas ali os entorpeciam e não seguiam adiante no labirinto do entendimento humano.

Montava num cavalo de cor indefinida; aos que diziam que era um cavalo negro como o carvão, outros lembravam que havia alguma brancura nele; e quando estes falavam que era um cavalo branco como algodão, aqueles torciam a boca, dizendo que não poderia ser branco, pois havia, assim, olhando meio que de lado, um tom mais escuro. De qualquer forma, mesmo opostamente ninguém refutava de todo a opinião alheia. Porém, quando um jovem rapaz, na sua ingenuidade típica daqueles jovens que são lógicos por demais, falou em meio a pessoas de mais idade que fofocavam, que o cavalo era cinza, estes senhores o olharam, primeiramente com cara de incredulidade, depois, reprovação, e em seguida, benevolentes riram. “És jovem demais para entender estas coisas” diziam, como se estas coisas fossem grande coisas. De fato, estes senhores sempre existiram e, possivelmente, sempre vão existir; são aqueles que se apegam no que podem para se sentirem vivos. Mas isso não importa.

Omundo, obedecendo o conselho de um filósofo, viveu buscando conhecer a si mesmo, mas fez isso tantas e tantas vezes que em um dado momento essa busca lhe pareceu sem sentido algum, tal como quando pronunciamos uma palavra repetidamente até ela perder sua significação e ganhar cor nos nossos ouvidos. Persistiu. Nas montanhas foi onde chegou mais perto do seu objetivo, pois de lá se via boa parte de si, mesmo que essa boa parte fosse uma parte mínima em relação ao todo. Omundo viu as flores e os seus amantes de asas rápidas. E de muitas ele mesmo fora amante, desde filhas de grandes coronéis até prostitutas. Sendo que não as diferenciava, mesmo que compreendesse - como nenhum homem jamais compreendeu - que elas são únicas. Omundo viajou para dentro de si e lá descobriu dezenas de estações, das quais apenas quatro nos são conhecidas; viveu nos campos por muito tempo, mas foi na cidade que ele sucumbiu. A cidade o chamou e ele atendeu ao chamado.

Omundo morreu na ponta de um canivete afiado. O caso se deu quando seu cavalo esbarrou num automóvel. Uma briga de trânsito. Morreu de morte moderna, embora a crueldade com que os três rapazes o mataram - jogando o canivete um pra outro como se fossem brincar de batata quente, mas entre uma jogada e outra enfiando o canivete, ora na barriga, ora nas costas de Omundo - seja tão antiga quanto a própria vida. Omundo morreu em 1994, junto com Ayrton Senna, Kurt Coubain, meu avô e tantos outros. Omundo morreu em 1994, o resto é miragem.

Lucas Esteves
Enviado por Lucas Esteves em 06/07/2014
Reeditado em 06/07/2014
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