Joana I

Chovia muito naquela noite. As estradas estavam desertas, as paredes das casas estavam todas à mostra com a sujeira do tempo. Todas as almas recolhidas em seus recintos; uns esperavam a chuva passar no limiar da porta de bares e restaurantes e outros, olhavam pela janela de suas casas confortáveis o tempo que fazia lá fora, um pouco amedrontados pelas trovoadas.

Joana, sem rumo, andava por essas estradas desertas, com choros desesperados. Em seu ventre carregava uma vida. A noite trazia trovões de desespero, raios de insegurança, escuridão de medo e fios de águas de vagas lembranças das quais a jovem não queria se lembrar. Não tinha para onde ir, nem a quem recorrer naquele momento. Fora expulsa de casa por seu pai severo, que não aceitava a sua gravidez indesejada. O pai do bebê rejeitou a ideia, porque era novo demais para assumir essa responsabilidade, era um simples universitário, sem preparo algum para uma vida mais compromissada.

Ela andou sem destino algum. A chuva não cessava. Suas roupas estavam encharcadas. As lágrimas se juntaram com as lágrimas da chuva e juntas lavaram e expurgavam tudo.

Sua taciturna aparência, sem vida e sem expressão, trazia desespero, dor, e uma agonia sem fim. Seus olhos vagaram e momentos depois, uma construção clássica chamou sua atenção, era uma igreja que estava toda iluminada. A futura mãe não era religiosa, nem sabia muito de Deus. Ia à igreja quando era pequena, mas não se lembra de saber rezar. Porém, tinha em mente que havia algo a mais, no entanto, nunca se interessara em querer saber. Sentou-se na beirada da Igreja. Olhou para a frente onde a imagem de Jesus dava boas vindas.

Ela preparou-se para algo que a tempos não fazia, mesmo assim, sentia necessidade de o fazer.

- Senhor, eu não sei orar, nem sei como fazer isso, mas se houver alguém aí que possa me ajudar, eu serei eternamente grata. Por favor, meu Deus, só peço que me tire da rua, para que eu possa criar meu bebê em algum lugar seguro, e que ele não pague pelos meus erros. - Pediu de coração arrependido e com o coração aceso.

Joana silenciou. Chorou com muita dor e segurava a barriga. Sentiu algo se manifestar dentro de si como nunca havia sentido antes. Estranhou a sensação de amor momentânea. Achou que era o bebê se mexendo, mas não. É como se uma música linda tocasse só para ela, e falasse que tudo ia dar certo. Fechou os olhos e respirou profundamente, ainda com lágrimas beirando suas bochechas pálidas. Se entregou àquele momento, que mais parecia uma conversa, pois sentia sua alma se elevar, ela não sabia o que estava acontecendo. O desespero diminuiu um pouco.

Instantes depois, um homem simples passava embaixo de seu guarda chuva, e quando viu Joana em frente à igreja sentada, não deixou de ter interesse em querer saber o que estava acontecendo. Não era normal ver alguém na chuva, uma hora daquelas e ainda sozinho. Aproximou-se:

- Moça, você está bem?

Ela olhou para cima e não soube o que responder. Havia parado de chorar e estava consumida por pensamentos estranhos. Logo, o bom moço lhe despertou.

- Não. – Respondeu, trazendo uma voz embargada, e lembranças do motivo de estar ali.

- Por favor, me diga em que posso ajudá-la! Você está aqui há quanto tempo?

- Estou algumas horas. Fui expulsa de casa. – Ela já chorava com mais ardor. – Eu não tenho para onde ir... - E assim ela pranteou.

- Venha, deixe-me ajudá-la. Está frio, você só com esse vestido?. - Ele a olhou calmamente.

- Sim, sai com a roupa do corpo.

O jovem pegou-a pelos braços e foi conduzindo-a até sua casa. Ele não sabia por que sentiu necessidade de ajudar uma desconhecida, mas seu coração apitou em sinal de caridade.

Ao chegar a casa, ele a levou para dentro. Joana sentou-se no sofá, conduzida por ele, que logo foi pegar uma toalha para que ela se secasse.

- Tome, acho que você precisa se secar um pouco, vai pegar uma gripe moça. – Deu uma pausa reparando mais na sua fisionomia e sentiu pena. – Vou lá pegar uma roupa que acho que vai servir em você.

Joana ia contestar, mas só conseguiu abrir a boca. Não poderia abusar daquele moço tão gentil que a trouxe para sua casa, sem ao menos conhecê-la. Enquanto isso, a moça foi reparando na casa, era simples, e bem arrumada. Tinha fotos numa estante e levantou-se para ver.

- Essa é minha família. – Disse ele ao descer as escadas percebendo para onde ela estava olhando.

Ela nada disse. Só deixou cair mais lágrimas em seu olhos. Achou bonita a união. Seu sonho era ter um lar, um marido e filhos. E por obra da vida ela estava passando por provas que não entendia.

- Por favor, fique aqui hoje. Você disse que não tem para onde ir. Sentirei-me mal se for.

- Não tenho mesmo. Parece que quando você está na pior, as pessoas que você acha que te amam, te ignoram - ela secou algumas lágrimas, respirou e continuou - por medo de que o problema seja delas. E é nesse momento que, ignorar, para elas, é mais fácil, do que tentar ajudar. Mas, não quero atrapalhar sua vida moço, você nem me conhece. Nem meu nome você sabe...

- Meu nome é Alberto e o seu?

- Joana.

- Prazer Joana. Tenho certeza que minha mãe não irá se importar de você ficar aqui hoje. Tem um quarto sobrando lá em cima e você pode ficar à vontade se quiser usar o banheiro. Pode tomar um banho quente, vou preparar um chá.

- Mas...

Antes que ela falasse alguma coisa, ele relembrou.

- Minha esposa era parecida com você, acho que foi por isso que me chamou atenção.

- Era? Como assim? - Indagou atenciosa.

- Perdi minha esposa e meu filho num acidente. – Ele silenciou, sabia que ela poderia perguntar. – Mas isso já faz tempo e eu já superei e aceitei que partissem. Aliás, todos nós um dia vamos, não é mesmo? Eu ainda estou aqui e tenho minha mãe.

- Obrigada e sinto muito pela sua perda. Sei como é perder alguém.

- Dói muito no começo, porque você se apega. - Respirou fundo pela lembrança. - Mas não se preocupe. Deus sabe o que faz. Ele não te colocou no meu caminho por acaso.

- Você é muito gentil Alberto, não sei como agradecer você.

- Um dia você vai saber me agradecer.

Um minuto de silêncio.

- Bom, deixe-me levar você ao banheiro, você deve estar com frio. Depois, vamos lá à cozinha, vou preparar algo para você comer e depois te levar ao quarto.

Joana nunca havia sido tratada daquela forma por um estranho. Ela cresceu com a visão do Pai, que não se deve falar e nem ouviu um estranho, por mais que seja gentil. Mas, sua mãe, disse que ela deveria sempre seguir seu coração, que com certeza era a escolha certa. Devido à criação dos pais, a mãe nunca teve voz em sua casa, seu pai é que decidia tudo. Zilda, sua mãe, chorou muito com sua partida, mas não podia passar por cima da ordem do seu marido, Júlio.

Joana pensou muito em sua vida naquela noite e decidiu acreditar que tudo era um pesadelo que logo ia terminar. Deitou na cama desconhecida e descansou.

...

Belly Regina
Enviado por Belly Regina em 10/07/2014
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