A BONECA DE PANO E O ANEL DE DIAMANTE

Naquele tempo as coisas eram bem difíceis. Os que possuíam um bom salário não tinham luxos, porém a maioria nem isso tinham, não eram tão abastados, o que ganhavam dava apenas para manter alimentação e vestuário, assim mesmo com muitas concessões. As crianças mais novas herdavam as roupas das mais velhas, não só da família, mas também dos vizinhos. As pessoas eram mais amigas e dividiam de tudo, muito era produzido ou plantado nos próprios quintais.

Brinquedos, quase não se tinham, em geral eram artesanais, carros de madeira, bonecas de pano ou bolas de meia, esses mimos faziam a alegria da sofrida garotada.

Maria tinha uma dessas bonecas, muito surrada e velha, primeiro tinha sido de sua avó na meninice, depois de sua mãe, agora dela. Uma verdadeira relíquia de família cobiçada pelas gerações femininas. Maria fôra contemplada desta vez.

A relíquia podia contar com quase cem anos, difícil de precisar. Sua mãe lhe fez um vestidinho novo, se é que podia dizer isso daqueles trapos que até alguns dias compunham partes da roupa de seu irmão maior. Os cabelos de fios de lã foram trocados há uma década, mas o corpo original possuía alguns remendos.

Nem só de brincadeiras Maria gostava, muito estudiosa era uma das poucas crianças e mesmo adultos da família que sabiam ler e escrever, sonhava em ser professora, mas sabia que seus pais não tinham condições de apóiá-la neste desejo, já se conformará com o destino.

Por ser muito esforçada era natural ser o xodó da família, muito querida pelos pais despertava ciúmes em seu irmão que sempre aprontava tentando lhe imputar a culpa do mal feito.

Uma tarde após ser muito elogiada pelo pai a uma visita, seu irmão não se conteve de raiva, enquanto estavam na sala, sorrateiro foi ao quarto, apanhou a querida boneca e com uma faca abriu sua barriga, arrancou seus braços e pernas jogado-as embaixo da cama, voltando inocentemente para a sala. Lá o pai contava como era difícil seus dias. Reclamava do conforto que não podia dar a sua família, dos brinquedos das crianças, da casa que não era boa, dos estudos e sonhos frustrados.

Naquela noite quando procurou sua boneca, Maria se desesperou ao encontrá-la mutilada, chorou muito, brigou com todos tentando encontrar o culpado e nada. Sua mãe para lhe consolar prometeu que logo pela manhã iria consertá-la, também era um objeto de sua estima. Passou a noite chorando e soluçando, logo cedo com os despojos na mão estava à espera que sua mãe lhe cumprisse o prometido.

O brinquedo estava muito danificado, o pano velho já não aceitava mais costuras, a solução era fazer outra.

Ao desmanchá-la para aproveitar ao menos o enchimento sua mãe encontrou incrustado na cabeça da boneca um belo anel de diamante, jóia rara que talvez tenha sido colocada ali por sua bisavó ou qualquer outra criança peralta de tempos idos.

A boneca de pano, ou melhor, o anel de diamante trouxe novas esperanças para a família, velhos sonhos foram despertos, Maria além de ganhar uma nova boneca pode enfim seguir seus estudos, é certo que as vezes bate uma saudade de sua antiga companheira mas se conforma por terem passado memoráveis instantes juntas.