O ÔNIBUS

Onze horas noite. Não sei de que mês e nem de qual ano, mas sei que já estava bem tarde. Dentro de um ônibus quase vazio, com cerca de meia dúzia de passageiros, permaneci em pé divagando... Divagando...

Quando dei por mim, já estava a uns 15 km de distância do ponto em que costumo sempre descer. Caminhei até o cobrador e perguntei:

- Puxa vida, meu amigo! Fiquei pensando na vida e não vi passar o ponto em que sempre desço. E agora?

- Então, senhora. – respondeu ele, amigavelmente. – Percebi que a senhora não desceu onde costuma descer, mas não quis interferir, pois achava que havia mudado de local.

Fiquei muito aflita porque já era quase meia noite, estávamos num bairro muito distante e desconhecido para mim. Sugeri:

- Permaneço no ônibus até o final da linha e retorno com ele. Pronto! Acho que é o melhor a fazer.

O cobrador rebateu:

- Mas dona! Esta é a última viagem de hoje deste ônibus. Ele vai até o final da linha, que fica a uns três km daqui e ficará lá na garagem, somente retornando ao centro da cidade amanhã às 06:00 horas!

Ao ouvir isso, fiquei mais apavorada ainda! Pensei mais um pouco e decidi: - Então vou descer aqui mesmo e pegarei um ônibus que me leve de volta ao centro da cidade e lá pagarei um táxi até minha casa.

O cobrador, que já estava preocupado comigo, concordou com minha decisão. Desci.

Fiquei num ponto de ônibus em que havia apenas um rapaz com mochila nas costas. Imaginei tratar-se de um estudante que havia acabado de sair da última aula.

Estava muito escuro. Frio. Quase meia noite. Distante de casa. Bairro desconhecido. E eu, apavorada! Na rua deserta e silenciosa não havia asfalto. Havia muito barro, porque chovera à tarde. Olhando para o lado esquerdo, bem ao longe, via-se um pouco do clarão do centro da cidade. Era para lá que eu queria ir. Para minha casinha quente e adorada.

Olhando para o lado direito, tudo mudou. Sabe quem estava chegando ao mesmo ponto de ônibus que eu? Minha amiga, com seus longos cabelos louros, Arlete Tago (prima-irmã de um deputado estadual). Que alegria! Fui cumprimentá-la. Perguntou-me, com sua charmosa voz rouca, o que eu estava fazendo por ali àquela hora. Após contar que havia cochilado no ônibus, percebi que a Arlete estava acompanhada por uma colega. E tamanha foi minha alegria ao ver que era a Ili (do Incra). Ili, com seus cabelos curtos, castanhos, sorriso meigo, muito atenciosa, abraçou-me carinhosamente. Que abraço caloroso!

Agora não estava mais só. Parecia que toda a rua escura e fria de antes havia se transformado em uma rua colorida, com sol morno e muita alegre.

Não me perguntem se o ônibus de retorno demorou a passar, se eu demorei a chegar em casa, etc., porque não sei.

Acordei e não fiquei sabendo o final da estória, mas valeu rever minhas amigas Arlete e Ili, mesmo que apenas em sonho.

Simone Possas Fontana

(escritora gaúcha de Rio Grande-RS,

membro correspondente da Academia Riograndina de Letras,

autora dos romances MOSAICO e a MULHER QUE RI,

formada em Letras, contista da Revista Cultura do Mundo)

Minhas Anotações:

- Conto escrito em 2009.

- Publicado no livro MOSAICO (Editora Gibim, 2011).

- Publicado no blog: simonepossasfontana.wordpress.com.br