O DESMASCARADOR DE NOTÍCIAS (Pt.1)

Francisco estava sentado no hall de espera do SINE. Segurava, enrolado em cone, a edição do dia do jornal Super Notícias. Encontrara por acaso o amigo de infância, Valmir, que aguardava, sentado ao lado de Francisco, sua vez para ser atendido. A senha dele seria a próxima a ser chamada. TER32. A de Chico era a TER34.

Valmir levantou-se olhando para o papelzinho quando o sinal soou chamando o próximo a ser atendido. Ouviu um "boa sorte" que partiu do amigo e rumou para o guichê 4. Chico se sentiu desolado. Olhou para o monte de papel que carregava. Já havia encontrado nada na seção Classificados do volume. O melhor seria ler alguma das outras coisas que havia nos demais cadernos.

Decidira que não se dignaria a ler sobre as futilidades do futebol, sobre as fofocas e a programação de tevê, sobre a nova musa do funk, exposta na capa do compêndio, e nem sobre a última eliminação do BBB ou qualquer outro tipo de "isca para otário", que é o que ele considerava ser essas encheções de linguiça dos periódicos. "Não sou camarão para ser pescado com lixo". Pensou.

Restou, então, o pseudo caderno de economia do jornal. Nele ele leu: "TAXA DE DESEMPREGO CAIU 50% NO ÚLTIMO MÊS". "Quê ??? Como isso é possível? Olha como está cheio este lugar onde as pessoas buscam oportunidades para trabalhar! Venho e volto sem nada há semanas!", "Isso é pra bobo criar imagem de que o Governo que tá aí merece reeleição!", "É coisa paga para ser noticiada". Reagiu, ele, fazendo críticas ao que leu no caderno mentiroso.

Ao lado de Francisco, saltando a cadeira deixada vaga por Valmir, estava um homem assistindo o jornalismo da TV Record em seu aparelho celular. A imagem na tela estava restrita a ele. Com algum esforço, Chico podia vê-la, com uso de um olhar de rabo de olho. Mas o som era inconvenientemente compartilhado. Deselegância total. "Comportamento suicida para quem almeja uma avaliação para emprego". Francisco, programador de computadores, ocupou sua mente com essa análise do homem de semblante simples, que certamente concorria às possíveis vagas destinadas às pessoas tais quais ele. Mas não sem tomar, involuntariamente, ciência de que a informação da TV tratava de reportar a bandidagem do Centro de São Paulo. Era o "mundo cão" liberado para o horário matutino da televisão em plena aplicação. O homem não desgrudava o olho da tela do aparelhinho. Sabia-se lá se ele tinha mesmo interesse em desfrutar daquele tipo de "entretenimento".

Ocorreu a Francisco uma reflexão. Ele e outras pessoas no ambiente tinham em mãos um veículo de comunicação impressa. Outros ouviam rádio em seus celulares. Podiam estar a consumir notícias também. E ainda havia o moço inconveniente que assistia à TV Record e os zumbis de redes sociais da internet, que formavam a maioria.

Cerca de quarenta pessoas havia por ali a gastar o tempo com qualquer besteira que prendesse a atenção até o momento de ser chamado ao atendimento e quebrar a hipnose. "Quarenta pessoas não representa grande coisa no patamar de audiência para os tantos veículos de comunicação de cada tipo de mídia que disputam o mercado da informação". Concluiu. "E todos eles sempre têm seus cadernos, blocos ou seções diariamente preenchidos e sempre com novidades na maioria das vezes". Discorria. "Como será que conseguem tanto acontecimento para noticiar de forma a causar interesse e dar saída em seus materiais e, por fim, faturar?". "E eu ainda não destaquei que isso tudo que analiso é material de amplitude nacional. E o que é local? Faz aumentar ainda mais o volume de acontecimentos registrados diariamente.".

Conversava consigo, Chico, até que seu amigo Valmir terminara de ser recepcionado e outra pessoa fora chamada para ser atendida em seu lugar. Valmir caminhou até Chico para se despedir. Sustentava um ar de confiança. Estava com uma guia de emprego na mão. Comentara com o amigo que ia trabalhar na função que exercia, administrador de empresas, porém ganharia salário de auxiliar de escritório. Estava satisfeito assim mesmo, pois "a maré não estava para peixe". Valmir tinha esposa para sustentar e três filhos para criar. E já contava com mais de quarenta e cinco anos de idade. "Os empregadores gostam de aproveitar dessa fragilidade do empregado: estar velho e ter que sustentar família". "O mercado de trabalho brasileiro é uma barganha do mercado persa". Indignou-se Chico mentalmente após despedir-se do colega.

"Eu também só sofri essa exploração em toda a minha carreira". "Eu também terei que aceitar o pão que o diabo tiver amassado se eu quiser me empregar". "Quem mandou eu investir em campo de trabalho que sugere algum status? Quem mandou eu deixar a mídia influenciar minha escolha e ainda me fazer gastar dinheiro com formação profissional? Quem mandou eu ficar velho?". "Eu poderia estar feliz, sempre empregado, se eu tivesse cuidado de realizar tarefas modestas como foi com meu pai armador de lajes". O pensamento de Francisco o absorvia pelas frases que surgiam em seu diálogo interno.

"O que eu mais me arrependo é de ter sido alvo desses caras que ficam botando na cabeça das pessoas ideias como 'seja empreendedor', 'construa seus sonhos', 'motive-se; seja um talento; venha para nós'". "Tudo enganador atrás do dinheiro que o pobre não tem e com vontade de mantê-lo sonhador e contribuinte com o sistema que os favorecem". "Na prática eles bem sabem que não há espaço para todo mundo ser um sucesso profissional ou um empresário de sucesso", "Para quem parte do nada ou sem financista é que não tem espaço mesmo". "Inventam histórias de casos assim para a gente não perder as esperanças, mas são todas falsas", "Quem tem dinheiro para provar ou não que essas histórias são mesmo verdadeiras?", "Sei que o investimento para chegar é alto e por isso é que chega, mas eu gostaria que esse tipo de informação não chegasse mais até mim".

"É por isso que não dou trela para veículo de comunicação algum; tipo de mídia algum...". A reticência fez com que Chico olhasse para suas mãos segurando o jornal aberto na página que continha a notícia que ele considerou absurda. Olhou à sua volta e viu que as pessoas de alguma forma faziam o mesmo que ele: matavam o tempo se influenciando com o que encontravam para fazer. "A situação de espera torna qualquer ser um alvo fácil para os produtores de informação". Chegou a essa conclusão. "É impossível evitar que as pessoas façam uso desses instrumentos, mas, como eu gostaria que houvesse um meio de essas informações irresponsáveis que trafegam até elas livremente, sem pudor ou censura ética, fossem barradas e modificadas antes de alcançá-las".

O sinal chamando a senha TER34 soou. Francisco olhou novamente para o papelote. Colocou o volume supérfluo de papel no banco que deixara e rumou para o guichê 7. Ele quase desistiu, pois queria deslanchar o que começara a pensar. De repente era uma oportunidade de trabalho que ele iria se dar, já que dependia de que isso fosse lhe dado por quem o discriminava ou por quem fosse querer que ele trabalhasse mais por menos.

Veremos o que acontece na segunda parte deste conto.