Se decido por morrer

Ouvia mais o barulho do trânsito que do mar. O cheiro da marina estava misturado ao cheiro dos escapamentos. O som das ondas quebrando na areia era encoberto pelos gritos das crianças, dos adultos brigando com as crianças, dos vendedores de sacolé, de sanduíche natural, dos casais trocando olhares de amor (?), dos homens observando a bunda mais bonita, das menininhas mais assanhadas assoviando aos rapazes de cabelo tingido de sol, de óculos espelhados, de bermudas coloridas, a prancha de surf escorregando dos braços.

Andar pela beirada da praia era uma tarefa quase impossível, um mar de pessoas fazendo jogo com a água traiçoeira, acostumada a carregar nos seus braços os dejetos humanos, ou dejetos dos humanos, pois não. O sol escaldante, os narizes brancos – alguns de pó, outros de protetor solar. A brisa refrescante tentando passar pela turba de pessoas mal educadas, correndo de um lado para outro, com suas bolas de praia ou suas roupas minúsculas, uma reza constante para o biquine não sair de cima do mamilo, ou sair, conforme o lado da situação.

A pessoa que lhes escreve está ali, no meio dos carrascos, dos gritos, da areia, usando um shorts jeans e uma camiseta, quase uma burca no meio das roupas de banho, essa pessoa não se importa com o que eles pensam, ela quer mais molhar os pés na água cristalina, carregada de vermes, aproveitar o sol quente sem ligar para o bronzeado ou as marcas de sol na pele, não, ela quer mais do que isso.

Essa pessoa está sozinha dentro da multidão, não há um rosto conhecido, não há uma alma amiga, não há ninguém no passado nem no presente. Essa pessoa não sabe nadar. Acompanha a orla sentindo a areia fugir sob os pés, levemente desequilibrada, levemente ébria. Na mão esquerda carrega um livro, na direita uma garrafa de água com vodca dentro. Essa pessoa está infeliz, milhares de vezes pensa em se atirar no mar e deixar a água salgada entrar nos pulmões, acabar com tudo.

A cada passo mar adentro renova sua ideia de morte. Quem se daria conta? Quando dessem seria tarde demais. Com a água no joelho a resolução vai embora, o pânico aflora e a vontade de viver surge muito mais forte; todo mês, mais ou menos, essa pessoa que lhes fala, esgotada, tenta o suicídio, e a cada tentativa sente mais desejos de viver.