A TEORIA DA PAIXÃO

Ele defendia a ideia de que a paixão era um exercício mental em que a pessoa apaixonada não se apaixonava realmente pela outra pessoa, mas sim pela projeção que fazia dela. E, assim como qualquer exercício, no início é preciso se concentrar nele e praticá-lo diariamente, para que mais tarde, ele possa ser feito automaticamente. Neste caso, com um esforço que fazemos sem perceber, criamos uma imagem para a qual desenvolvemos nosso desejo, achando que este desejo será satisfeito na pessoa que foi apenas o molde para esta imagem. Para provar a sua teoria, ele precisava de um experimento que comprovasse isso, e decidiu que a única pessoa em quem poderia confiar para ter resultados fidedignos era ele próprio.

Pensava sobre isso bebendo o seu café em uma lanchonete. Então avistou uma garota linda. Notou que não era a primeira vez que a vira naquele local, sempre no mesmo horário, usando o crachá de uma empresa situada ao lado da lanchonete. Era a situação perfeita, então decidiu: Vou me apaixonar por ela! Mas para isso, decidiu restringir a sua relação com a garota a apenas contato visual. Visto que, se chegasse a conversar com ela, poderia conhecê-la de fato, e isso implicaria em um resultado não tão surpreendente. Em suma, a ideia era ficar perdidamente apaixonado por ela sem ao menos conhece-la.

Dado isto, todo dia no mesmo horário ele se dirigia até a lanchonete a sentava em uma mesa próxima da garota. Bebia seu café e observava-a atentamente; os seus gestos, o modo como falava ao telefone, como fazia suas palavras cruzadas e as curvas que o seu rosto fazia a cada sorriso. Enquanto isso, fixava em sua mente, projeções futuras com os dois lado à lado.

Hoje, ele está casado com a garota da lanchonete. Mas não com aquela garota dos parágrafos anteriores. Dela ele nunca soube o nome. Casou-se com uma garota que lá trabalhava e que todo dia, lhe atendia com um sorriso no rosto. Sorriso este, que nos primeiros dias ele nem notava, mas que com o passar dos dias, foi gradativamente e naturalmente ficando mais bonito. Isto acontecia à medida que ia se frustrando com a sua teoria. Pois, apesar do seu esforço mental, ao sair da lanchonete, ela também saia dele. Chegou um momento que a garota do crachá parou de frequentar a lanchonete. Mas isso já pouco importava. Continuou indo ao mesmo lugar. Gostava do café servido por aquela garota de sorriso aberto.. E foi assim que ele, sem perceber, estava pensando nela o dia inteiro. Estava apaixonado. Isso, de certa forma, era um exercício mental sim. Mas não era voluntário. Percebeu que não dava pra escolher paixões como se escolhem balas de goma.

Na verdade, não sei se realmente assim ele percebeu, ou se apenas deixou de mostrar interesse por qualquer teoria referente à paixões. Talvez essa segunda hipótese seja mais razoável. Pois esses dias o encontrei em um bar, e relembrando essa história da nossa adolescência, falei ironicamente:

- Mas então, depois de tantos anos acho que você já descobriu aquilo que procurava. Afinal, o que é a paixão?

Quando ele ia responder, o seu celular tocou. Ele atendeu e falou algumas palavras que não me recordo, mas que terminavam com um “eu te amo”.

Desligou o celular e após se desculpar me respondeu com um largo sorriso:

- Não sei. Ainda estou descobrindo. Vai saber...

Secou seu copo de cerveja, se despediu de mim e quando estava quase na saída do bar, parou, olhou pra mim e disse em voz alta:

- Quer saber mesmo? Quando se ama, basta saber que a paixão está dentro desse amor. O que ela é ou em que lugar realmente fica, pouco importa. Segue teu coração meu amigo!

E eu fiquei no bar, sozinho, pensando em suas palavras.

Lucas Esteves
Enviado por Lucas Esteves em 04/08/2014
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