Linha de raciocínio

A sala era confortável e estava bem aquecida apesar do frio extremo que se observava lá fora. Provida de um sofá de couro bem macio, marrom café e guarnecido com almofadas de retalhos sóbrios e escuros. Uma manta grossa e rústica de lã virgem tornavam o sofá ainda mais aconchegante. Uma estante de cedro, robusta, cheia de livros clássicos e modernos dava um ar de cultura ao ambiente campônio. Uma lareira acesa provia um bom fogo que deixava uma luz alaranjada e dava ao ar um toque quase imperceptível de fumaça perfumada.

Enquanto isso Yuri se sentia chateado por ter ficado sozinho em casa. Não gostava da solidão, mas devia se acostumar a ela. Agora que morava em um sítio distante da cidade e o inverno definitivamente havia chegado, não haveria visitantes tão cedo.

Resignado, Yuri decidiu ouvir o Réquiem de Mozart, sempre se sentia bem ouvindo uma música tão elaborada com vozes em sincronia perfeita. Sentou-se no sofá com uma caneca de café puro e forte na mão e ouvindo a música vibrante pôs-se a pensar:

“Acho que não deve ser tão ruim assim ficar sozinho, eu preciso mesmo de um tempo só pra mim. Este café é bom mesmo, preciso me lembrar de comprar mais dessa marca e agradecer tia Ruth por ter me apresentado. Tia Ruth disse que logo Ygor vai chegar ao Brasil, quais novidades esse meu primo louco vai trazer da Espanha dessa vez? No ano passado ele estava em Londres e trouxe uma réplica do uniforme usado pelos guardas da rainha. Foi hilário nos vestirmos assim. Engraçado que eu combine melhor com meu primo do que com meus irmãos. Também, eu sou a ovelha negra da família, assim como Ygor. Na verdade nunca conseguirei competir com Ramon, doutor em astrofísica, ah, quem liga pra isso? Meus pais, claro! E Gabriela então, a princesinha da família, que raiva, só por que se casou com um ricaço e deu a luz a trigêmeas que aos dois anos de idade já ganharam vários concursos de beleza. Quem se importa? Meus pais. Eles não aceitam que eu tenha largado a faculdade de medicina, que eles me obrigaram a entrar, para virar “agricultor”, como eles dizem, como se eu fosse um roceiro! Eles não entendem o que um agrônomo faz e eu não vou explicar para eles. Falando nisso, preciso urgente de sementes para meu novo experimento, quem sabe eu até ganhe um prêmio esse ano. Seria muito bom, eu colocaria ali na estante, perto dos retratos da Laura, ela gostaria muito de estar aqui comigo, ver como ficou o sítio depois da reforma, agora estaríamos namorando, aproveitando esse fogo da lareira, ela sempre tão friorenta, com certeza estaria de pijama de moletom e meias, sempre de meias, por que ela teve que morrer? Tínhamos só dois anos de casados quando ela ficou doente. Morreu logo depois e me deixou aqui sozinho, sem ninguém que realmente me entenda e que me ame. E o pior de tudo é que não tivemos filhos, queria tanto ter visto uma criança com nossas feições e gênios misturados. Mas agora é tarde. Nossa, já são quase meia noite, o tempo passou rápido, e eu nem percebi. Vou beber mais um gole de café e vou pra cama. O que será que Ygor vai trazer pra mim dessa vez?”.

Yuri levantou-se do sofá, foi até a cozinha e serviu-se de mais café. Bebeu de um gole só e foi para seu quarto admirado da noite ter passado tão rápido e dele ter conseguido se distrair só com seus pensamentos.

Priscila Pereira
Enviado por Priscila Pereira em 13/08/2014
Reeditado em 14/08/2014
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