Duas doses e um cigarro

Lembro-me bem que faltavam mais duas doses de uísque e meio cigarro, foi quando um homem de gravata e sapatos caros entrou no bar, sentou ao meu lado e pediu uma dose do uísque mais caro para ele e para mim, tentei dizer que não precisava, mas tudo o que sempre precisei foi de uísque, ele começou perguntando:

– Acredita que o destino pode ser generoso?

– Não acredito em destino e generosidade é apenas educação.

Ele segurou a risada e tomou um gole como se fosse água, prosseguiu:

– Seria muita generosidade do destino trazer um novo amor para mim.

– Seria piedade – segurei minha gargalhada – esperar e precisar de favores do destino, tolice.

– Minha alma sangra por causa do passado, minha alma chora por ter que esperar por um amor no futuro e o que a destrói é a solidão do presente.

– Ao invés de sofrer no passado, presente e futuro, toque a vida em frente.

– Não tenho mais vida.

– Eu não tenho mais cigarros, droga.

Foi quando o rapaz colocou um maço pela metade no balcão, peguei um cigarro sem hesitar e acenei para que ele continuasse o assunto.

– Impossível tocar a vida ignorando tal sentimento, somente se eu substituir esse sentimento por outro.

– Novamente estamos falando sobre encontrar alguém, por que ainda não encontrou?

– Depois de um casamento de 4 anos e com dois filhos é difícil.

– Acredita em Deus?

– Não acredito nem em mim mesmo.

– Pelo menos você é real, já é uma chance para alguém acreditar em você.

O rapaz olhou para o chão e pediu mais uma dose, mas precisei recusar.

– Seria um prazer imenso me afundar junto a você nesse poço de sofrimento sem fim, mas preciso ir.

– Aonde vai?

– Ver se ainda tenho chance de recuperar meu presente, antes que se torne um triste passado, pois não sou bom para sofrer por antecipação esperando por um futuro tão incerto que fará com que eu acredite em destino, até mais.

Nesse dia percebi que tudo o que sempre precisei não era de uísque, mas sim de uma conversa descontraída na companhia de um bom uísque.