Apenas uma passagem qualquer

Era uma noite de sexta feira de uma semana qualquer de um mês que não importava. Um rapaz esperava num ponto de ônibus com dificuldade. Por mais que ainda fosse 20hrs, ele já estava tão bêbado que mal conseguia ficar em pé. O dia tinha sido um saco. Ele acreditava que um dia nunca poderia ser 100% e que se fosse 51% você estaria no lucro, mas naquele momento acreditava que aquela sexta tinha sido próxima de um 0%. O garoto que ele estava afim não lhe deu bola no bar e ainda foi embora com outro cara. Era como um chute no saco, só que bem pior por conta da bebedeira.

O ônibus que ele esperava logo surgiu numa curva de uma rua qualquer. Era uma linha que cruzava a cidade de norte a sul num percurso de pouco mais que uma hora e trinta minutos. Isso, se não houvesse congestionamento. Mas estamos falando de uma capital. Ele entrou – e junto dele um homem que havia perdido o emprego, uma idosa que carregava compras enormes e uma garota que cantarolava baixo suas músicas favoritas - gastou os últimos centavos que restava em seu cartão de estudante. 3,00 reais? Toda vez que a luz verde brilhava e a catraca rolava, ele se perguntava se mais ninguém naquele ônibus não se revoltava com esse gasto.

Procurou sem esperanças um assento em um canto qualquer para se sentar. Não encontrou. Teve que ficar cambaleando agarrado numa haste de ferro suja sentindo o cheiro horroroso que o senhor ao seu lado tinha. Havia um rio embaixo do braço dele que escorria e respingava numa moça que estava sentada. Ela não se importava. Dentro de um ônibus, poucas coisas realmente importam. O garoto que também não cheirava muito bem olhava para os lados para vê se havia algum homem bonito para que ele ficasse encarando. Olhar é um direito de todos. E sonhar não paga pedágio.

Em uma parada entrou uma gente qualquer. E entre eles estavam uma putinha qualquer com uma aparência abatida. Mas quem naquele ônibus não estava com uma aparência de merda de fim de semana em que a única coisa que eles queriam era chegar em casa? Por isso, talvez não se importaram quando a putinha começou a chorar. Em pé, ela chorou. Um choro miúdo que ecoou por todo o ônibus.

Para alguns ela era apenas uma sem vergonha qualquer. Algumas pessoas pensavam como ela tinha coragem de chorar assim num transporte público. Outras se irritavam com o barulho que a putinha fazia. E inclusive uma senhora fez um barulho arrogante para que a putinha parasse de chorar. E a garota do fone de ouvido continuava a cantarolar sem se importar com o que acontecia dentro do ônibus, ela não percebia porque a visão do lado de fora era mais interessante; e a idosa com as compras continuava com elas em suas mãos revezando ora com a direita e ora com a esquerda para que conseguisse agarrar a haste; e o homem demitido repousava a cabeça sobre o braço esticado pensando em como diria para sua esposa grávida que não teriam mais dinheiro naquele mês; e o rapaz apaixonado continuava a procurar um homem bonito para olhar.

Num congestionamento qualquer, o rapaz notou a putinha chorosa que agora só lacrimejava. Compadeceu-se com a situação dela e se perguntava se o namorado havia terminado com ela. Pior! Se o namorado havia acabado de morrer na frente dela. Ou uma coisa mais leve, se havia pegado o namorado com outro homem na cama que eles dividiam. Até porque, ela não parecia nenhuma santa. De fato, teria um namorado que havia lhe batido e por isso estava chorando. Ah, ele enfim matou a ‘charada’, o cafetão dela havia demitido ela porque o boquete dela não era tão bom quanto das outras garotas. E fim. O rapaz riu e o congestionamento começou a se mexer. Algumas pessoas entre tantas que não expressaram nada respiraram aliviadas.

O ônibus chegou aos bairros residenciais e em pontos quaisquer as pessoas iam descendo aos montes. O homem demitido desceu sem animo, a senhora com as compras desceu gritando para que o motorista esperasse – algumas de suas compras caíram no chão. O senhor suado desceu. A moça sentada nauseou. A putinha chorosa voltou a chorar. O rapaz apaixonado desceu junto de uma mulher apressada que havia se levantando um pouco atrasada para descer e, sem querer, havia pisado no pé de alguém no ônibus e acabou recebendo uns xingamentos, mas não se importou porque acabava de lembrar que havia deixado seus filhos sem almoço.

E assim aquele ônibus de uma companhia de transporte público qualquer seguiu levando pessoas quaisquer com suas vidas que não importavam.