A Noite Em Que Fui Um Canalha

Há uma garota no banco do passageiro.

Quando me dou conta, estou estacionando o carro em uma praça. Ela precisa conversar e eu sou o único otário da cidade que aceita convite de mulher precisando conversar, mesmo sabendo que é uma roubada. Mas o que eu estaria fazendo? Ficaria dirigindo sem destino, a esmo? Há momentos em que é melhor cair nas ciladas. Pode ser interessante.

Desligo o rádio (uma pena, gostava da música que estava tocando), tranco o carro e sigo em direção a mesa que ela ocupou. Sento-me no lado oposto, encarando-a de frente. Fico em silêncio. E é desconfortante. Ela acha que estou irritado, mas fui até lá pra ouvir e não pra falar. Deixo-a mais a vontade, fazendo movimentos que passam calma e ela desaba, desabafa.

- É o meu marido. Tem me importunado. Chega bêbado em casa e fica me criticando, me ofendendo. Dizendo que não sou uma boa esposa porque não sei cuidar da casa e deixo tudo bagunçado.

- É um mal contemporâneo. Poucas pessoas se preocupam em aprender isso hoje em dia.

- Mas ele sabia disso, sabia quando se casou comigo, não pode me cobrar agora!

- Isso eu concordo.

- E ele diz que não sou uma boa mãe, eu também não me acho boa mãe, mas faço o possível, eu tento! Mas filho não tem manual de instruções. Eu não queria ter engravidado e não estou fugindo da responsabilidade, estou fazendo meu melhor.

- Eu sei, eu sei.

Ela começa a chorar. São confissões muito pessoais. Não entendo muito, não sou casado, não tenho filhos, mas dor é dor. Sou simpático a dor. Ela se acalma, vou até o bar mais próximo e compro um refrigerante. Bebo um pouco e dou pra ela beber o restante e se acalmar um pouco mais. É o açúcar.

- Obrigado.

- Não precisa agradecer, estou fazendo o que qualquer um faria.

- Não, não qualquer um. Nem todo mundo é sensível assim.

Enxugo as lágrimas dela com um guardanapo encardido. Ela está bem vestida. Seu perfume espalha-se pelos arredores, é forte, do tipo que não passa despercebido. Não me agrada nem me irrita. Os cabelos cacheados e o corpo magro, olhos brilhantes, tem um belo traseiro.

- Você é muito carinhoso e cuidadoso quando quer, sabia?

- Sou é? Me acho tão despreparado pra tudo.

- É sim. E isso é... É... Me deixa tão...

Ela se aproxima, agarra-me onde sou masculino. Recuo.

- Opa! O que foi isso?

- É que esse seu jeito... Me excita...

- Olha, você sabe que eu não... Eu não me sinto a vontade, você está se divorciando. Vai com calma. E eu... Bom, no momento não sou capaz de retribuir o que você sente. Não consigo retribuir.

- Eu não te agrado? Não te deixo com vontade?

- Você sabe que eu estou com muita vontade, mas... Me sinto desonesto fazendo isso sabendo que não correspondo. Você sabe disso.

- Olha, eu não ligo! Enquanto for bom pra nós dois, enquanto for conveniente, eu não me importo, afinal, não é nossa primeira vez não é?

Ela agarra lá de novo. Vai ficando difícil recusar (e não se excitar).

- Vamos Vinnie, eu pago o motel.

- Tá.

Ela entra no carro. Um sorriso no rosto. Desconfio que planejou tudo. Não que isso importe, não mesmo! Agora já estou no volante, dirigindo na direção de um quarto estranho e ao mesmo tempo familiar. Que cilada. Ela vai me agarrando pelo caminho, e é bom. Estou pensando na malandragem que há em tudo isso, me sinto um inútil, um completo canalha. Ela é uma bela mulher, que às vezes diz que me ama (em especial quando se excita) e eu não consigo retribuir. Sou um fodido. Chegamos.

Há uma garota na cama do quarto.

Quando me dou conta, ela já arrancou minha roupa, e toda roupa será pouca, muito pouca... Não há nada que eu possa fazer, não há como voltar atrás, ou expressar resistência. Me sinto, de certa forma, obrigado a trepar mesmo quando isso não faz o menor sentido. E apesar de achar a experiência, o ato em si, sempre curioso (e fascinante dependendo do ponto de vista), por muitas vezes, isso apenas não faz sentido: Dois estranhos batendo carnes e reproduzindo sem reproduzir, e gozando sem sarro, e beijando sem amor. Eu devo ser o único idiota que pensa nessas coisas. A maioria dos idiotas apenas transa, mas eu não, preciso pensar, preciso querer não apenas transar, mas também entender e decompor a transa em pequenas cenas para analisá-las vagarosamente, como se fosse o próprio ar que rodeia os corpos.

O ato é carnal, eu me satisfaço após alguns minutos, pouco mais que uma hora. Não faço ideia se ela está satisfeita, mas parece feliz. Isso basta, por hora. Exaurido, chupado, adormeço calmo e vazio de espírito. Algumas transas te dão vida, outras, nada oferecem se não um pedacinho de morte cheio de anestesia.

V. R. C.