CICLOS


Ribeirão Preto, uma grande cidade do interior de São Paulo. Cidade quente, em todos os sentidos: tardes ensolaradas, terra vermelha muito fértil, bairros elegantes, praças grandes e tranqüilas, lanchonete com mesinhas na calçada, boa água, bom chope, bom sorvete. Meninas usando micro, rapazes, camisas coloridas, conversa animada. Cidade quente, cidade fértil, cidade avançada, progressista. Perto dali, muita coisa interessante: Faculdade de Medicina, Clube de Regatas, estádios do Botafogo e do Comercial. Em Batatais e Brodósqui, as primeiras obras de Portinari.
É justamente quando alguém sai para esses passeios, a conhecer os lugares, que se pode ir notando, ainda perto da cidade, à beira das estradas, casas simples, casas de lavradores, trabalhadores da terra.
O Benedito morava por ali. Não tinha pai, nem mãe; tinha seis irmãos.Trabalhava na terra, cuidando, plantando. Tinha um defeito na perna, mancava, mas apesar disso era forte, queimado pelo sol, belo, assim dessa beleza ao mesmo tempo rústica e delicada, beleza de alma. Simpático, sorria sempre.
Às vezes, ele ia a São Paulo, na entressafra, e ficava na casa de um tia. Conheceu a Cida, moça bonita, miúda, franzina, olhos pequenos porém vivazes, brincalhona, ativa. Iniciou-se um namoro, por galhofa dela, por amor dele.
A Cida era uma moça pobre, trabalhava duramente, desde pequena órfã de pai. Vivia num subúrbio afastado, ambiente restrito, vizinhos observadores. Assim, o namoro tornou-se sério. O Benedito escrevia sempre e, quando possível, ia vê-la nos finais de semana. Um dia, ele falou em noivado, em casamento. Ela teve muitas dúvidas. Havia o defeito e ele não era como os rapazes da cidade, mas era bom, morava numa boa casa, tinha seu pedaço de terra. Havia a possibilidade de trabalhar, ter sua própria casa, um carro (quem sabe?).
Afinal, ela se convenceu e os dois se casaram. Tiraram foto, ele de terno preto e, imaginem, camisa branca, de punho duplo, com abotoaduras; ela, com o vestido branco de organdi, que a patroa havia feito com dedicação e capricho, bordado com pérolas, grinalda, longo véu, rosa branca na mão à guisa de buquê. Ele a sorrir, os cabelos que ela tentara pentear com brilhantina, ainda rebeldes; ela, séria, sem deixar transparecer emoções.
A vida a dois começou. Ele era muito feliz, ela também. Depois de ano e meio, nasceu-lhes uma filha. Maior felicidade. Mas o que não ia bem, era o fato dos irmãos dele morarem todos junto com o casal. Davam muito trabalho, pai? mãe? - não havia. A Cida, pobre Cida, não se entendia com eles. Os irmãos foram percebendo e se mudando, um a um...Junto deles só ficou o caçula, o predileto do Benedito, seu xodó. O Benedito se entristecia, mas ele amava a Cida. Sem a ajuda dos irmãos, o trabalho aumentou, ele não deu conta, a colheita foi fraca, vieram os prejuízos, as preocupações.
A Cida pediu e os dois se mudaram para São Paulo - junto com eles, a filha e o irmão caçula. Ela voltou ao antigo emprego,mas o marido não conseguiu trabalho, por causa do defeito na perna, senão pela influência do patrão dela, na empresa onde este trabalhava. Foi ser jardineiro, pois era da terra que ele sabia. Todos o estimaram por sua alegria, simpatia, beleza de alma, mas a alma andava doente e, pior ainda, o corpo também. A Cida vivia preocupada, chorava desanimada. A empresa em que ele trabalhava era muito boa, ele teve assistência, apoio, mas a doença era grave, rapidamente se espalhou por todo o organismo. Depois de seis meses ele morreu.
A Cida ficou abalada, muito triste, embora de uma tristeza ausente. Depois de algumas semanas, ela já cantarolava os sucessos que ouvia no rádio e dizia: "- Eu? Casar de novo? Só se for com homem rico."


( Texto escrito em 20/08/1972 )