INSÔNIA

Deitado, no escuro de meu quarto, consigo ouvir o ruído grosseiro da tv de algum vizinho, assim como algum motorista manobrando seu veículo em uma vaga apertada de garagem... não preciso me esforçar muito para deduzir: cada troca de marcha é perceptível... primeira, ré... primeira... ré... porta batendo e alarme... infinito minuto.

O sono não vem, assim como não sai da minha cabeça a programação de amanhã... provavelmente, o obstáculo perfeito que me impede de relaxar... nada de importante, muito menos urgente... queria ficar deitado, prostrado e inerte... levantar apenas para comer alguma coisa... beber água... e usar o banheiro...

O ócio... a preguiça no formato de pecado capital... é isso que sinto nesse instante... mas queria dormir, e não ficar pensando como seria bom não fazer nada... o nada é tão vazio que incomoda... tal como a fome, ou a garrafa sem seu conteúdo...

Pego o celular e vejo que ainda não é tão tarde... não serão as oito horas diárias de sono que tinha em minha juventude, mas também se dormir daqui a pouco não acordarei tão cansado, ao ponto de reclamar. Fecho os olhos, e faço uma oração... agradeço por tudo que tenho e me resigno com os desígnios divinos... deveria ser o suficiente... não é.

Entro na rede social, ninguém interessante para conversar... assisto ao último vídeo engraçado, vejo que novas tragédias ocorreram pelo mundo... um universo que se expande muito além dos limites do meu quarto escuro.

Tento pensar em coisas boas... a maioria das minhas lembranças são registros, e não momentos... mesmo com as pessoas com quem me relacionei, os finais praticamente apagaram o que houve de bom, além das filhas... no presente, uma expectativa em forma de unhas pintadas de preto... cores fortes, mulher ao mesmo tempo intensa e resistente, e supreendentemente frágil. Que me entende, e me conduz como uma pastora... já deve estar no sétimo sono...

Pior do que o som da tv, é não conseguir discernir nada o que é falado... até que uma moça sem noção sobe pela escadaria com um salto alto que ecoa pelos corredores como se fosse um bate-estaca. A maturidade está fazendo com que eu me torne mais parecido com meus pais... só não tenho ninguém ao meu lado.

Tento abstrair, esvaziar a minha cabeça... nada do sono vir... Morpheu me ignora... deve achar que não sou merecedor de adentrar em seu reino... onde há sonhos... não lembro quando foi a última vez que eu sonhei. Vejo novamente o celular, e desta vez o infinito do escuro do meu quarto é quantificado em horas...

Desisto de dormir, e começo a racionalizar sobre o meu trabalho... e não mais do que de repente, o sono aparece subitamente... não haverá sonho, mas a inconsciência é uma dádiva para um solitário..

cotidiano
Enviado por cotidiano em 23/09/2014
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