Alfredo - o bêbado

Alfredo saiu do trabalho nervoso, havia tomado uma decisão certeira na vida: parara de beber.

Ainda sentia na garganta o gosto amargo da última ressaca quando enfiou na boca duas pastilhas de menta. Entrou no carro, suando e sentindo náuseas pelo estado de nervos. Estacionou o carro na frente na Igreja onde se reunia o AA. Desceu do carro, trancou. Se lembrou de que poderia ficar frio e retornou ao carro, pegou o casaco. Trancou novamente. Saiu girando as chaves nas mãos e andou em frente ao local, totalmente deserto, a não ser por uma luz que saía da uma das casas agregadas à Igreja.

Respirou fundo. E novamente. Quando ia dar um passo para abrir o portão, olhou para o outro lado da rua e viu uma loja de conveniências aberta. Se deteve. Balançou a cabeça em profundo desgosto.

Pensou que talvez aquele não fosse o momento, não se sentia preparado, seria o dia seguinte e não aquele! Naquele dia ele beberia e deixaria todo o nervosismo para o outro dia, não conseguia controlar o pânico que sentia ao pensar que sentiria pânico em casa, sem álcool nem cigarros...

Pediu somente uma garrafa. E também um maço de cigarros. Enfiou tudo na pasta do trabalho e entrou em casa com medo de que alguém visse, mas se lembrou o porquê da determinação de mais cedo. Elas haviam ido embora.

Nada de esposa ou de filhas. A casa era só dele.

Estava tristemente quieta aquela casa simples na qual passara as duas últimas décadas de sua vida.

Nem mesmo o cachorro estava mais lá.

Alfredo ficou triste com a cena, mas sentiu que tudo estaria resolvido em breve, quando levaria a cabo sua determinação de vida. Então conseguiu relaxar.

Ligou o rádio, fez um copo deliciosamente gelado de caipirinha e colocou umas salsichas para assar no forno. Antes de estarem prontas, Alfredo já fazia o segundo copo.

Andava pela casa e dançava ao som das novas baladas de cujos cantores ele não conhecia nada. Mas gostou do som.

Comeu um pequeno pedaço de uma das salsichas enquanto fazia o terceiro copo, já usando os limões espremidos dos outros e pouco açúcar.

Então o gelo acabou e Alfredo deixou de fazer caipirinhas para tomar apenas o aguardente puro, deixando que o líquido lhe queimasse a garganta enquanto descia, causando arrepios nos braços. Sentiu uma ânsia com o último gole e aproveitou para ligar o computador e utilizar uma rede social. Queria ver alguma notícia das filhas.

Viu que elas estavam na casa da tia e que sua mulher anunciava em frases de pura esperança o recomeço de sua vida. Alfredo se ressentiu, tentou ligar, mas não atenderam na primeira chamada e ele não conseguiu fazer a segunda.

Chutou o rádio que tocava algo de discoteca antiga com batidas fortes que martelavam sua cabeça. O rádio quebrou e Alfredo se viu no mais profundo silêncio.

Cambaleou até a varanda dos fundos e lá se sentou ao lado dos cravos que a mulher tanto cuidava, arrancou planta por planta jogando-as pelo chão.

Depois, se levantou de forma estupidamente desequilibrada e tentou se servir mais um copo, porém, vendo que derramava tudo pelo chão, começou a entornar no gargalo mesmo.

Tropeçou no cabo do computador e ele também quase foi ao chão, o que fez Alfredo sentir muita raiva de si mesmo e da esposa e das filhas e da vida. Resolveu dizer isso em rede, porém, não conseguia digitar direito, acabando por deixar uma mensagem meio sem sentido na qual ofendia aqueles que o haviam abandonado.

De manhã, Alfredo acordou com a precipitação de uma forte chuva sobre sua cabeça, deitada rudemente sobre sacos de esterco utilizados para fertilizar as plantas. Se amaldiçoou e tentou se levantar, vendo o sol já a pino.

Entrou em casa e viu que tinha algo diferente.

Já eram dez horas da manhã, havia perdido o horário do trabalho.

Quando foi tomar um gole de água que aplacaria a sede que corroía sua garganta viu escrito em letras garrafais na geladeira, sem usar papel algum de recados:

_ ALFREDO, ACHEI QUE HOJE SERIA O PRIMEIRO DIA DO RECOMEÇO DE NOSSAS VIDAS! VEJO QUE NÃO! FUI EMBORA, LEVEI AS MENINAS E O BOLINHA. NÃO NOS PROCURE MAIS! E TIRE AQUELA FOTO RIDÍCULA SUA DO FACEBOOK, SUA BUNDA ESTÁ APARECENDO!

Ass. Wanda

P.S. Os cravos eram da sua mãe, seu canalha!

Alfredo ficou em silêncio por alguns minutos, olhou para o lado.

Por fim, chorou convulsivamente quando viu que a garrafa de pinga jazia quebrada dentro da pia e que nada mais lhe restava.