O Cego e o Realejo de Sopro
O apito do trem dava sinal de partida e, mal escorria pelos trilhos, já vinha ele com seu realejo. Era calvo, meio gorducho, mas tinha os olhos cerrados devido à cegueira de nascença. Conheciam-no como Expedito.
Os vagões lotados de trabalhadores ziguezagueavam sob o som ininterrupto do sopro do velho cego que esticava a mão vez ou outra para recolher os trocados.
“Leva aquela, Expedito, a Asa Branca!”, solicitava um dos passageiros. “Agora toca a Triste Partida, camarada!”, pedia um outro.
O comboio deslizava sobre as linhas ganhando os descampados, levando gente cansada.
O interior do trem estava aglomerado. Difícil cruzar de um vagão a outro, esgueirando-se por entre as pessoas, um verdadeiro labirinto humano.
O trem parava nas estações e tragava outro punhado de gente, que se aquietava no espaço apertado.
O ar era abafado, mistura de suor e perfumes vencidos, o corpo invadido pelo cansaço e o desejo irremediável de chegar em casa.
Quando pensava em desfalecer, vinha o som do realejo ondeando pelos corredores, a sonoridade trazendo um repouso de aliviar o espírito e relaxar por completo.
O breu da noite encobria a mata, deixando-se entrever a silhueta encrespada das árvores no breve clarão de uma lua isolada.
Nova parada, pessoas enchiam as rampas de viajantes e perdiam-se nas ruas, apressadas.
O apito da máquina era vigoroso, impunha respeito e disciplina; ao ganhar velocidade, despertava o ânimo agora embalado pelo vaivém das carruagens.
O realejo do velho Expedito acendia o sonho, a música ora dolente ora despertadora, trabalhava os extremos fincados entre a letargia e a pressa de rever a casa.
Ao chegarem resfolegantes ao final da linha, velho e máquina despediam-se com a certeza do dever cumprido.