O NOSSO AMOR DE ONTEM

Entrei no quarto, como de costume. A decoração rosa e lilás revelando a identidade de sua ocupante. Arrumei alguns objetos, retirei o pó das prateleiras, organizei as folhas avulsas numa pilha: "Oh, cabecinha de vento..."

Na escrivaninha, dois bilhetes de entrada para o teatro da noite anterior querendo ganhar o mundo pela janela do quarto. Coloquei um peso de papel sobre os bilhetes, resolvida a continuar a minha função. Dobrei o edredom e procurei o seu lugar numa das prateleiras entulhadas do armário. Entre um lençol e outro fui tentando desafiar as leis da física: "Dois corpos não conseguem ocupar ao mesmo tempo,o mesmo lugar no espaço." No fundo,bem lá no fundo da prateleira,uma pequena sacola de papel deu o ar da sua graça. Peguei o pequeno pacote com uma certa curiosidade,mas ao mesmo tempo, não sem um certo constrangimento pela acidental invasão de privacidade. Mal abri a sacolinha e foram transbordando bilhetinhos, papel de bombom,fotos e desenhos rascunhados à mão. Lembranças esquecidas que foram tomando vida à medida que imploravam para sair do pacote. Então entendi tudo, era o novo pedindo passagem para o que ficou para trás. Respeitosamente guardei os objetos e os coloquei no armário de cima,onde permaneceriam numa posição mais digna e ao mesmo tempo, longe dos olhos e do coração.

Fui ao meu quarto e num ímpeto, retirei de uma das portas de cima do armário, uma caixa de madeira. Abri a tampa e imediatamente um misto de aromas,cores e sabores me assaltaram subitamente. Sachês de lavanda,porta retratos,guardanapos de papel com grafias conhecidas e queridas. Cinquenta anos de amores que marcaram a minha vida. Pensei no pequeno pacotinho que acabara de guardar e olhei o tamanho da minha caixa com tantos amores e dissabores. Na minha cama, um enorme urso Panda fazia companhia à Galinha Pintadinha,presentes de um amor conflitante que agonizara há algumas semanas... Fechei a caixa e me despedi dos meus amores com uma saudade gostosa no peito do que representaram prá mim. Olhei prá Galinha Pintadinha com a esperança renovada no amor e no que ainda tenho prá viver. Peguei uma caixa de cetim que ganhara com uns bombons de cereja ao licor e coloquei alguns sachês florais.Coloquei os bilhetes do teatro da véspera e escrevi um pequeno bilhete: " Não importa quantos amores se viva ou quanto tempo eles durem, amar sempre vale à pena." Fechei a porta do quarto da minha filha e abri a do meu coração, para o meu amor voltar...