O MAR É LOGO ALI ( Trilogia da Ponte)

Fazia frio naquela manhã, muito frio. Ele desceu a escada do sobrado onde morava com a jaqueta toda fechada e esfregando as mãos.

- Ainda é cedo e hoje é sábado, não temos trabalho.

- Vim mostrar a caminhonete, é uma Ford anos 60, não gostou?

- Gostei, mas você sempre vem com um carro emprestado pra trabalhar.

- Porra, essa é minha, comprei hoje bem cedinho.

- Que legal cara, fiquei feliz, legal mesmo.

- Cacete cara, é uma sensação dirigir um carro seu pela primeira vez.

- Ela precisa de retoques.

- Precisa de muitos, mas dá até pra trabalhar.

- Eu posso te ajudar nos retoques.

- Agora vamos poder atravessar a ponte nos limites da cidade.

- Você não tem coragem de ir tão longe dos limites da cidade.

- Claro que tenho.

Ele colocou a mão sobre a mão do amigo e se olharam por uns instantes. Ele retirou a mão e colocou-a sobre o capô da caminhonete.

- Você não tem coragem de deixar esse lugar, é sua natureza.

- Eu sou daqui.

- Você sabe sobre o que estou falando, sobre minha natureza e a sua.

- Entre na caminhonete, faz muito frio, vamos comer algo.

Eles entraram na caminhonete, o amigo arrancou com carro e foram pela estrada molhada e fria até uma lanchonete.

- Fritas, hamburgers e suco de laranja pra dois. – Disse o amigo à garçonete.

- Eu vou embora daqui mês que vem.

- Como assim? Pra onde?

- Vou sair da cidade, vou pra costa.

- Leste ou oeste?

- Ainda vou decidir, mas talvez pra costa leste.

- Mas, porque isso?

- Eu imaginei que pudesse atravessar a rua, andar pela cidade, dizer que estive e que estou aqui, ser como todos, afinal o sol é para todos, mas daqui um tempo não poderei e sei disso. Por isso vou logo embora, no fundo não sou tão forte para enfrentar certas coisas, certos olhares mais próximos.

- Eu já disse que não me importo, serei sempre seu amigo.

- Você poderia vir comigo, você sabe.

- Melhor não, como você disse, não tenho coragem. Eu sei que não tenho coragem. Não tenho como atravessar a ponte nos limites tênues das cidades, das pessoas.

- Eu vou sentir sua falta, mas na cidade grande, perto do mar, vai ser mais fácil pra mim. Vai ser bem mais fácil pra mim.

Arnoldo Pimentel