Aconteceu no Natal

Minha filha, Taís, de nove anos, faz aulas de Judô, três vezes por

semana. Como a academia fica próximo ao meu trabalho, levo-a e fico assistindo

às aulas. Ela estuda na parte da tarde, junto com a irmã menor e faz Judô pela

manhã. É uma loucura pois moramos afastadas da cidade. As aulas acabam às 11:30 hrs, quando não atrasa, e a escola começa às 13:10 hrs. Assim, sempre estamos agitadas e com pressa.

No dia 17 de novembro, saímos novamente correndo com a mochila

cheia de acessórios, esbarrando em minhas pernas, a faixa colorida do kimono arrastando no chão, a bolsa pendurada de qualquer jeito e a chave do carro dentro dela. Com dificuldade, atravessamos a rua, abri o carro, coloquei a bagunça dentro, sentei e pus a chave na ignição. Suada e cansada me virei para puxar o cinto quando percebi duas crianças vindo pela calçada na direção do carro. Uma parecia ter dez anos e a outra não mais que cinco. Eram meninos , mãos dadas , shorts, camiseta e chinelo sob um sol forte de primavera. A

expressão de seus rostos era de cansaço e sede, mas não de desânimo. Na hora pensei:

– Ah, não! Essas crianças vão me pedir esmola e eu estou atrasada. Temos de ir para casa almoçar, Taís tem de tomar banho, por o uniforme , pegar lanche, precisava ver se a minha outra filha menor , Vitória, estava pronta e voltarmos para a cidade.

Meu medo se confirmou. O menino maior bateu no vidro me despertando dos meus pensamentos. Abri a janela meio contrariada, afinal isso iria me atrasar mais ainda. O menino muito humilde e educado disse:

– Bom dia, senhora.

– Bom dia! Respondi sem esboçar sentimento algum.

Quando ia abrir a boca para para dizer que não tinha um trocado e que estava com muita pressa, lendo a minha mente disse:

– Não queremos dinheiro, apenas que leia essa carta que escrevi.

O menino menor sentou na calçada, olhar distante, perdido. Antes de abrir a carta perguntei:

– Qual a idade de vocês?

– Eu tenho onze e ele cinco anos.

– Vocês estão sozinhos?

– Sim, respondeu.

– Onde moram?

– Na Vila Operária.

– É muito longe. Como chegaram até aqui?

– Andando, me disse.

– Mas não é possível. Além de longe é perigoso crianças andarem sozinhas.

– Onde está a mãe de vocês ?

– Nós não somos irmãos. Ele é meu primo e veio comigo. Minha mãe é doente, quase não sai de casa e ainda cuida da minha sobrinha de dois anos.

– Ela sabe que está na rua?

– Sabe. Eu disse a ela que iria achar o Papai Noel.

– Como? Não entendi.

– Eu escrevi essa carta para o Papai Noel pedindo uma cesta básica, leite em pó, fralda e , se der, uma boneca para minha sobrinha Cíntia.

– Por que não leva aos Correios? Lá eles expõem as cartas para que as

pessoas interessadas em apadrinhar crianças escolham alguma.

– Eu não vou levar aos Correios. Queria realmente conhecer o Papai Noel.

Pedi a Deus que me ajudasse a encontrá-lo. E eu o encontrei.

– Como assim? Perguntei.

– Nós vínhamos caminhando pelas ruas e olhando em volta para identificá-lo e entregar a carta. Orei para que Deus me mostrasse a pessoa certa.

– E?

– Aí, eu vi a senhora correndo carregando a mochila, a roupa, a bolsa tudo com uma mão apenas, enquanto a outra , ao invés de ajudar, estava entrelaçada com a mão de sua filha, cuidando, zelando, protegendo-a com um sorriso no rosto. Esse foi o sinal que Deus me deu. Se uma pessoa não se zanga em carregar todas as coisas sozinha e ainda se preocupa com o bem estar da filha, com certeza terá um coração bondoso para ajudar outras pessoas.

– Eu nunca imaginei ouvir isso, respondi. As lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto, meu coração se encheu de alegria , senti muita paz e num segundo de contemplação pedi perdão a Deus por ter agido de maneira tão arrogante com as crianças , no início.

Olhei para os meninos envergonhada e me senti muito feliz. Uma criança que nunca tinha me visto e, que, apesar da minha indiferença e descaso teve a coragem de me chamar de Papai Noel. Apesar da pouca idade já sabe das dificuldades da vida , mas tem esperança de que as coisas podem melhorar, acreditando e confiando em Deus. Sua determinação e humildade de pedir o que estava realmente precisando, me comoveu muito. E era tão pouco. Nada pediu para si, apenas para a mãe e para a sobrinha. Dei dinheiro para comerem algo e voltarem para casa de ônibus e prometi que o Papai Noel iria visitar a sua família

no Natal e levar presentes para todos, inclusive para ele. Agradeceu e me disse que não teria presente para me dar. Então abri o meu melhor sorriso, saí do carro e pedi um forte abraço. Depois agradeci porque ele tinha me dado, sem saber o melhor presente que poderia ter recebido na época do Natal. Despertou em mim a humildade, a simplicidade, a caridade, a preocupação com o próximo como Jesus nos ensinou há muito tempo atrás e que, por vezes, nos esquecemos.

Entrei no carro, pus o cinto e fomos para casa, sem me preocupar em chegar um pouco atrasada, afinal havia ganho o dia, o mês e o ano conversando com aquele menino enviado por Deus para me despertar para o princípio mais importante da vida e que renasce no período natalino que é o de ajudar e fazer o bem a quem quer que esteja precisando.

Catleya
Enviado por Catleya em 11/12/2014
Código do texto: T5066217
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