Auréolas de natal

É natal! As luzes piscam por todos os lados para dizer que a vida se ilumina na época que comemoram o nascimento do mais querido - ou odiado - filho de deus. Engraçado como as pessoas até ganham auréolas e começam a enxergar o outro; fazer o "bem". Pode ser que todos queiram festejar e que a data seja alegre para a maioria mas, nenhum dia que se preze termina sem tragédia.

Pois bem, no dia 25 de dezembro de um ano qualquer para você mas inesquecível para mim, quando já passava das dez da noite, meu telefone tocou. Era a milésima ligação e eu pensei que era mais uma com os clichés de sempre que apesar de perdurarem, nunca são verdade. Bastou uma frase para tirar o falso sorriso do meu rosto: Steven se foi. Pronto! As luzes se tornaram nauseantes porque comecei a sentir o mundo girar; mais rápido e mais rápido até que a perdi a noção de tudo e as cores do natal se uniram na escuridão da minha mente.

Acordei horas depois. Lembro que minha tia mais presente estava sentada ao lado da minha cama orando. Pela primeira vez em toda minha vida, o ódio tomou conta do que eu sabia sobre mim e a própria vida; como se deus tivesse me presenteado com isso por ser a única coisa que ele podia semear neste mundo. Apesar da dor que não cabia mais em mim e transbordava pelos olhos, eu tive que assistir ao velório de meu filho. Também me lembro das palavras de alguém dizendo "deus guardou um lugar especial para ele". "Sim", pensei, "um lugar onde a esperança é tão mesquinha que precisa do improvável para existir. Está onde todas essas pessoas vão: lugar nenhum. E é para lá que eu também irei."

Logo após, o enterro. Eu já estava surda para os prantos que já não me comoviam. Duvido que alguém tenha sentido dor maior que a minha. Eu só queria que a dor se tornasse o que a vida se tornou para mim: nada.

Meses se passaram e as auréolas quebradas já enchiam as ruas. Todos mal esperaram o dia 26 para trocá-las por chifres e um longo tridente. Essas pessoas já haviam voltado a seus postos maléficos porém mascarados com a venda de si mesmos; todos governados pela ignorância, onde só sabiam buscar o poder. Nesse lugar, os espelhos estão embaçados e só enxergam a vida alheia na qual todos querem palpitar. Enfim eu entendi que não é proposital essa insignificância. Faz parte do ser humano ser desumano para esquecer que na verdade é inferior a tudo que quer governar.

11 anos depois, estou assistindo à hipocrisia dos que se formam em direito dizendo que querem tornar o mundo melhor, como se fossem capazes de ao menos saber o que é o melhor. Estou aqui porque era o sonho do meu filho se formar nessa universidade e seria mais ou menos nesse ano. Confesso que nas intenções dele eu acreditava. É claro, também sou humana e meus sonhos são bobos e indignos como os de qualquer um. Enquanto observo os sorrisos que logo cairão, as luzes piscam pela cidade para lembrar que para alguém as auréolas de natal ainda são almejadas. E em algum lugar pode ser que deus esteja me amaldiçoando para que eu gere um novo filho para ele me tirar, pois a sua consciência pesada ecoa no universo e castiga suas criações mas, não importa. Afinal, é véspera de natal.