UMA NOITE COM O BORGES

Depois dos fogos, pegamos o carro e fugimos para o mais longe possível. Queríamos escapar daquele monte de gente. A mesma gente de sempre. Andamos cerca de meia hora, até acharmos um boteco velho, provavelmente o único vazio da cidade. Entramos, pedimos duas cervejas e ali saímos um pouco do mundo. O garçom se chamava Borges, em quinze minutos já estava sentado na mesa tomando uma conosco. O Borges era um senhor de meia idade, viúvo, que perdera a mulher em um acidente anos atrás. Não tinha filhos. Não tinha ninguém. Já trabalhava ali fazia vinte anos. “Já vi de tudo nesse bar”. Era um homem vivido, entendia mais de relacionamentos que qualquer psicólogo. “Amar não é fácil, meu filho, só amei uma mulher e depois que ela se foi, desisti de procurar outras. Mas nem por isso, deixei de curtir a vida”. Partimos para a Vodca. Depois para o Uísque. O dia já estava amanhecendo quando ele trouxe uma pinga importada. “Essa é das boas”, dizia com precisão. E era. A conversa fluía como nunca, mas já era hora de irmos para casa. “É por conta da casa” tentou nos agradar, mas não o deixamos fazer essa gentileza. Não desta vez. “Então fica pra próxima, fazia tempo que não me divertia tanto”, nos disse, já embriagado. “Obrigado”, completou. Pagamos a conta e deixamos uma gorjeta bem gorda para nosso novo amigo. Partimos felizes, já combinando quando voltaríamos, a noite não poderia ter sido melhor. Retornamos algumas semanas depois, mas ele não se encontrava lá. “Teve um infarto no dia primeiro, logo após o ano novo, morreu sozinho em casa. O encontramos logo cedo de manhã”. Naquele dia, mesmo depois de morto, o Borges nos ensinou mais uma lição: a vida é efêmera. Um sopro. E que não devemos esperar até o último minuto para sermos felizes. O Borges pode até ter morrido sozinho, mas naquela noite, pode ter certeza de que ele estava feliz.

Gonzaga Neto
Enviado por Gonzaga Neto em 06/01/2015
Reeditado em 03/08/2016
Código do texto: T5093247
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