Futuro? Quem sabe...

"Mais uma vez sem luz. Dessa vez, acho que não passa. A chuva está muito forte. Mãe, não vá lá, eu sei que ele já está chegando. Espere, se sair, pode também fica presa lá fora.

Saiu, desesperada, pois ele já havia deixado o barraco pra buscar pão fazia mais de duas horas. Ontem, um garoto morreu, acho que de bala perdida. Isso é comum por aqui. Acostumei a viver no Vietnã. Mas dessa vez senti medo também, agora estava sozinho em casa. Meu pai, esse sim que nem aí está. Nunca o vi, nem ao menos sei o nome, ou acho que esqueci entre uma cheirada e outra, porque quando não se tem o que comer, tem de se esquecer dos problemas maiores, e ai, acaba se esquecendo dos menores também.

E agora? Que é que eu devo fazer? A chuva cada vez mais forte, já fazia a maioria dos paióis onde se aglomeravam mais de dez, menores de dez, ou até algumas maiores de dez, com outros no colo menores de um, balançarem intermitentes. De repente, ouvi e vi o que também não é muito incomum por aqui: caiu um barranco em cima duns lá de cima. Ainda bem que não foi a minha. Mas se fosse, de que isso mudaria? Apenas tiraria o desgosto de viver de mim.

E minha mãe que não voltava. Onde ela estaria? De preocupação, dormi pensando nela e em meu irmão. Acordei e não acreditei. Tanta gente bem vestida, com coletes laranjas, alguns fardados, pensei que era até um desfile, uma parada ou coisa assim. Desci os inúmeros degraus para ver o que se passava que atrairia tanta gente afinal. Nem vi. Os vizinhos me puxavam, enquanto, a única coisa observada era um barranco caído em cima duns montes de indigentes. Lá estava ela e ele. Nem subiram pra casa. Acho que agora estão no céu. Minha dor foi tanta. Porém ficar sofrendo é coisa de Mauricinho que tem tempo pra isso. Agora, não tenho nada a perder.

Morei no mesmo lugar, sozinho. Comecei a cheirar mais e mais. Os motivos de choro agora eram motivos de riso. Mas, nem eu sabia o que fazia, só sabia que era bom e não me deixava pensar besteira.

Outro dia um dos meus heróis falou comigo! E me deu sua arma de honra! Não é tudo que um fã deseja? Uma lembrança do seu ídolo? Doze anos, primeiro oitão, quem diria...

Bom, agora tenho dezesseis. Parece que já tenho trinta. Quem viu o que passei nos lugares onde fui, pode bem explicar. Ninguém vê o que ocorre por trás das críticas. Um monte de repórter me chama de bandido apenas porque não tenho o que comer, ou porque cheiro e fumo. Mas eles também fumam! Compraram da minha mão e tudo! Sobre comer, isso sim é loteria. Come quando dá, come quando pode ou quando dá tempo.

Vivo num lugar que nem sei onde é. Nem sei o que me dão pra comer, nem sei que sou mais. Todos me vêem agora como louco ou delinqüente. Mas gosto daqui. Tudo é branco, limpo, cheira estranho. Tenho amigos que me divertem e por mim são divertidos. Tenho um futuro...Quem sabe. Ops, mais uma vez sem luz..."