Interurbano Noturno

Eram nove horas da noite e alguns poucos minutos quando Vince saiu do trabalho. Deixara para trás o Alerta Call Center e rumava para o ponto onde seu ônibus passava, ficava a cinco quarteirões dali, na Avenida Perimetral. A rua estava vazia e escura, havia chovido durante toda a tarde, fortes chuvas de verão, uma quase tempestade, forte o bastante para fazer com que alguns postes de iluminação pública se apaguem. As chuvas de março são constantes e diárias, como uma longa ressaca da estação.

Caminhava cansado, estava trabalhando desde as oito da manhã e não sabia porquê. Em algum lugar lá dentro, queria sentir essa exaustão, esse estresse, impedia que sentisse qualquer outra coisa. Além da Alerta, Vince arrumara emprego em um comércio. Contudo, ele sentia-se misteriosamente tranquilo, como se toda uma paz emanasse dele, afinal, estava saindo do trabalho, não havia hora melhor em seu dia (e era sua favorita). No bolso esquerdo de sua surrada calça jeans, repousava a carteira um pouco mais gorda graças a grana extra do outro trabalho. No bolso direito, o celular, ainda que moderno, já desatualizado e com pequenos defeitos (a câmera falhando, o botão para diminuir o volume quebrado). Raramente a geringonça tocava ou vibrava, ficava ali, morta por horas a fio.

Vince contudo não gostava do ponto de ônibus. Estava sempre cheio de colegas de trabalho, conhecidos, pessoas patologicamente insanas e cheias de pressa e morte. Seguindo pelo caminho, com a chuva já mais amena, reduzindo-se a respingos, andava devagar, gostava da chuva, não se intimidava. Enquanto vários ficavam esperando na saída até a chuva passar, Vince apenas seguia em frente, como se nada estivesse acontecendo. Ao chegar no ponto, procurou um canto, o mais desolado dos cantos, e ficou ali, mantendo distância dos amontoados que não queriam se molhar e disputavam um lugar debaixo da cobertura. Era estranho no mínimo, ficar ali parado com todo mundo imaginando se era louco para não buscar abrigo, mas tinha suas razões, apesar de estar gozando de uma leve (e breve) popularidade, Vince não gostava de pessoas de uma forma geral: Eram débeis demais, estáticos demais, pouco impressionantes e o ponto estava sempre cheio delas.

Os ônibus seguiam indo e vindo e olhar para o horizonte a espera do seu era como desligar, como entrar em um transe, meditação vazia aonde ele sonhava acordado. As pessoas seguiam indo e vindo, aos montes, disputando lugar para sentar, para entrar primeiro, uma visão doentia e infernal, o carro alegórico de trapos e restos de almas humanas no carnaval de desespero e individualismo.

O ônibus chega, vazio. A viagem segue para Ribeirão Pires e ele continua anestesiado em sua distração. Quando desembarca, antes mesmo que pudesse se situar, escutou um som agudo, repetitivo e urgente. Tirou o celular do bolso e atendeu sem ver quem estava ligando.

- Alô.

- Vince? É você?

- Sim, sou eu. Quem é?

- Belle.

- Belle?

- É.

- Labelle do Itália Call Center?

- Isso.

- Oi Belle.

- Tudo bem homem?

- Tudo, e você como tá?

- É, tô bem.

- Bom.

- Escuta, essa noite eu tô aqui em Santo André...

- Hum-hum.

- E eu tava pensando se talvez não fosse possível a gente se trombar.

- Agora?

- É. Preciso conversar.

- Pode vir pra cá, te espero no ponto.

- Não, não... É muito longe, será que cê num me encontraria no caminho?

- Caralho! A essa hora... Aonde?

- Tem uma cafeteria 24/7 ali na divisa de Mauá com Santo André. Lá seria bom.

- Saco. Vou tomar um banho e vou.

- Ok Vince. Obrigado, olha sei que você tá com outra e nem tem essa obrigação de me ouvir... Me sinto...

- É! Eu sei que não tenho. Vamos logo para não ficar ainda mais tarde.

Agora já situado, Vince caminhou pela longa Avenida Rotary, paralela a um pântano denso e bizarro. A avenida estava tomada pela neblina e garoava, não mais chovia. Andou por alguns metros e alcançou o longo escadão, como era chamado. O escadão foi construído para escoar a água da parte alta do morro, mas os moradores o utilizavam como atalho, pois era muito mais rápido e prático subir por ali do que fazer a volta pela avenida. Cada degrau possui cerca de um metro de comprimento em sua maioria, íngremes, com não mais que vinte centímetros de altura cada um. Cercado pelo mato em um dos lados e um muro alto do outro, quando chovia virava uma verdadeira cachoeira e depois da chuva, o limo e o musgo deixavam tudo terrivelmente escorregadio. Vince não tinha pressa. Parou no primeiro degrau, deu um gole em sua garrafa d'água, olhou para cima, para os lados, para o céu, para cima de novo, criou coragem e começou a subida.

Chegando no alto, não andou mais que trinta metros e já estava em casa. Subiu, desequipou sua mochila, retirou os sapatos úmidos, a calça, as roupas todas e foi até a cozinha. Abriu a geladeira se e serviu de uma boa dose de suco de laranja, espremeu meio limão no copo, misturou, e tomou de uma golada só.

"E agora?"

Encontrou a felina na porta da cozinha, miando baixo, pedindo atenção, feliz com seu retorno. Acariciou-a e conversou por alguns minutos com ela. Sempre tinha o coração aberto para ela e suas reclamações e considerações. A gata era, afinal, mais sincera que a maioria das pessoas.

Ainda pelado, comeu uma banana e subiu para o banheiro, entrou, esvaziou a bexiga (lá se vai o suco de uma golada só), abriu o registro e esperou a água gelada esquentar um pouco. Banhou-se em água morna por alguns minutos, relaxando as costas, os braços, as pernas, os pés e mãos já tão cansados no fim de mais um dia. Limpou-se com muito sabão, não sentiu ânimo para se barbear, masturbou-se. Era um homem patético, só não havia descoberto isso ainda. Limpou o gozo no azulejo, empurrando a água e a porra em direção ao ralo. Fechou o registro, secou-se e colocou roupas limpas.

Foi aí que um dilema o impediu de seguir em frente. De um lado, sua cama, aconchegante, quente, os cobertores, a gata, o sono... Do outro, uma ex-namorada, atual amiga, precisando conversar sobre sabe lá Deus o quê. Era uma disputa injusta. A cama estava levando de lavada. Andou para um lado e para o outro, mão no queixo, roçando a barba, olhar pensativo. Parou. Sim, havia se decidido. Trocou as roupas pelo pijama e foi se aconchegando ainda que se sentisse culpado, pois estava negligenciando uma amiga em necessidade, mas foda-se. Já o negligenciaram por uma vida inteira, agora que ele começara a fazê-lo, sabia que sobreviveriam, ele ao menos conseguiu. Os olhos estavam pesados e fecharam naturalmente e sem que Vince se quer percebesse que estava adormecido.

Labelle chegou ao café e não viu Vince em nenhuma das cadeiras.

"Talvez ele se atrase. Ribeirão é um pouco longe."

Pediu ao garçom um chá de ervas, sentou-se na janela e ficou olhando os primeiros habitantes da madrugada. Bebeu sem pressa, o chá tinha um sabor estranho, entre o doce e o amargo, entre o industrial e o natural, é mais certo dizer que possuía vários sabores ao mesmo tempo do que um sabor só. Procurava manter baixas as expectativas mas sabia que o autocontrole não era sua qualidade mais forte, detestava esperar e essa era a verdade e já estava ficando irritada.

"Mais que caralho! Filho da puta! Vou até lá!"

Não gostava de ser ignorada, não mesmo! Labelle ficava profundamente ofendida quando não era notada. E pelo que se lembra, a cada ano, Vince ficava menos atencioso. Pagou seu chá e determinada, montou em sua moto, ligou-a. Como é gostoso o barulho desse motor, sim, é muito bom. Seu atual marido preferia os carros, mas o coração (e o estilo) de Labelle pertenciam junto as motos. Foi a primeira coisa que seu marido a ajudou a comprar, uma moto robusta e potente. Acelerou fundo e voou até Ribeirão Pires, chegou lá em um piscar de olhos.

Era meia-noite e meia. Vince escutou um ronco alto, como um zumbido, indo e vindo, andando em círculos, um zumbido furioso de uma moto de 500cc e o som de uma buzina. Era Labelle e não estava muito feliz. Vince saiu na janela ainda meio entorpecido.

- Vince seu viadinho, você tá de pijama e touquinha. Dormiu?

- Não sei.

- Como não? Caralho!

- Não lembro.

- Ah... Foda-se, vim te buscar.

- Tá. Espere aí.

- Não demora, porra!

Ajeitou um sapato e um agasalho por cima do pijama e rumou escada abaixo até o portão. Labelle o esperava com um capacete na mão.

- Você nem trocou de roupa!

- Não.

- Você é um desleixado.

- Quer falar comigo ou com minhas roupas?

- Calma! Só estou dizendo que as pessoas vão...

- Olha, foda-se as pessoas! Não dou a mínima.

- Mas...

- Vamos? Ou está com vergonha de ser vista com um cara vestido assim?

- Não.

- Ok então.

Vince colocou o capacete por cima de sua touquinha e subiu na moto. Já não garoava mais. Labelle dirigia como louca, usando calça e jaqueta de couro, cabelos esvoaçados e castanhos. Tentava enquadrar-se naquele estilo, mas não tinha um rosto duro e marcado o bastante pela vida para intimidar. Havia sobrevivido a uma gama enorme de tristezas. Vários romances frustrados e desventuras, o abandono do pai na infância, a pobreza e as dívidas... Mas não! Não encarou isso com sofrimento, encarou com sorrisos. Isso era tanto um mérito como uma falha, dependia muito da questão e do ponto de vista, mas no geral, era mais mérito na maior parte do tempo. Continuava bochechuda e sorridente, e isso era evidente mesmo quando ficava atravessada. Porém Vince, mais velho e duro, não tinha pudor em enfrentar a cólera dela, dizia sempre o que precisava ser dito, de maneira curta e grossa. Essa é sua sinceridade mais bonita e carinhosa: Ainda que brusco, era sempre verdadeiro, com ela em especial, pois respeitava suas tristezas e lá no fundo, torcia para que percebesse isso.

Labelle não entendia Vince. Ele ouvia ela falar por horas de seus problemas e jamais se comovia. Parecia impassível como uma muralha, ela por muitas vezes chorava e se emocionava mas ele não esboçava uma reação e jamais respondia emocionalmente. Ouvia atentamente, como um analista diante de um relatório, e ao final, dizia palavras duras e oferecia soluções práticas e que simplificavam tudo quando ela queria apenas um abraço e uma palavra carinhosa. Ela, contudo, admirava essa lógica constante, mas o que Labelle mais procurava fazer era encontrar brechas naquela armadura de lógica, meios de tentar tirá-lo da racionalidade. Ainda que tenham namorado por breves períodos, ela por pouquíssimas vezes viu ele se emocionar e não conseguiu perceber o porquê. Mas era isso que o tornava valioso para ela, era um cara estranho, mas que sabia ouvir e se interessava. Contudo, Vince mudava ano após ano, e se tornava um desafio cada vez maior tentar compreendê-lo e decifrá-lo.

Labelle quis voltar ao café. Parou em um posto de gasolina e abasteceu sua potente amiga motorizada. Depois rumou até o local do qual gostava, ao qual nunca havia levado Vince. Era uma cafeteria com mais glamour que o normal, decorada e com várias poltronas confortáveis cujo estofamento imitava a pele de um esquilo ou guaxinim. Vince não ia a esses lugares mas mesclou-se bem ao ambiente com seu pijama. Labelle sentou de frente e chamou o garçom.

- Dois Cappuccinos.

Os dois ficaram em silêncio esperando e conversaram brevemente sobre a bebida quando esta chegou. Estava quente e muito boa, na medida certa, não muito doce e não muito amarga.

- Então Belle, disse que precisava conversar...

- Ah sim.

- Fale.

- Bom... Não sei se você se lembra do Digo?

- Você quer dizer o Rodrigo? Aquele que se fantasiava?

- É, é! O meu ex.

- Lembro sim. Principalmente que me odiava, me lembro do sujeito. Uma graça de pessoa.

- Engraçadinho! Pois então, ele me ligou essa semana...

- Hum.

- E disse que estava com saudades, que nunca mais puxei assunto com ele, que ficou sabendo que eu me mudei...

- Ahm-ham.

- Mas ele não sabia que eu havia casado.

- E aí?

- Contei pra ele, precisava ver! Ele ficou todo perdido e surpreso, até gaguejou e tudo mais, mal conseguiu continuar conversando. Ele disse que foi um golpe porque ele ia me pedir em namoro, pedir para voltar.

- Imagino que foi duro pra ele, mas merecido. O Rodrigo era um otário completo, completinho: Quantas vezes não te traiu e até te ameaçou?

- Um monte, é verdade. Mas eu amava ele...

- Não vai me dizer depois de me privar do meu sono que ficou abalada com isso?

- Não! De forma alguma! Eu amo o Audrey, meu marido é tudo que sonhei... Mas tem que concordar que isso abala o coração de qualquer um!

- Da maioria, imagino...

- Você não ficaria abalado?

- Não. Acho que não.

- Mesmo que fosse a Laura?

- Mesmo que fosse a Laura.

- Duvido, ela é seu ponto fraco!

- Duvide o quanto quiser.

- Tem notícias dela?

- Faz anos que a Laura simplesmente sumiu da face da terra. Não a vejo desde então. Ao que me consta, acho que se casou.

- Não se sente mal com isso?

- Nenhum pouco. Já é passado. Quero mais é que ela siga a vida dela bem longe de mim.

- Todos tem a impressão que você ainda ama ela.

- Tenho gratidão pela Laura, e isso é uma forma de amor.

- Gratidão?

- Sim.

- Pelo quê?

- Laura ficou comigo quando eu era um ninguém, nada mais que o estranho no meio da multidão que a multidão gostava de importunar. Foi duro pra ela namorar o cara que todo mundo amava odiar.

- Você não fala muito dessa época.

- Por que eu deveria falar? Não gosto nem de lembrar, o que dirá falar!

- Foi tão ruim assim?

- Foi.

Vince pede mais um Cappuccino ao garçom. Um breve silêncio recai sobre eles.

- Escuta Belle, voltando ao assunto, não cai nessa merda, não zoa sua vida mais uma vez por causa desse otário. Quanto cara legal você dispensou por causa do Rodrigo? O Audrey pelo que conheço é um homem de verdade, te dá segurança e amor, além de estabilidade e um lar. Rodrigo é um adolescente aos trinta anos e sempre será. Você tá vivendo uma relação dos sonhos, com o cara dos sonhos, compartilhando uma casa e uma vida. Não faz merda, não joga isso fora por causa desse papo mole do seu ex. Manda o Rodrigo ir pastar e segue sua vida agora que você tem uma.

- Mas ele ficou tão triste...

- Faz parte da vida. Quantas vezes você ficou triste e ele te deu as costas e foi meter em uma das amantes?

- Não sei! Imagino que algumas vezes, sei lá... Saco! Você tem razão. É hora de eu tomar vergonha na cara e por um ponto final nisso.

- Lógico que tenho razão, porra! Sei do quê tô falando. Esse cara, o Rodrigo, não vale os minutos que você perdeu atendendo a ligação.

O cappuccino chega, caprichado. Belle pede alguns goles. Está realmente muito bom.

- E você, Vince?

- Eu? Eu o quê?

- Sua vida, como tá?

- Acho que bem. Não sei.

- Você não tava de rolo com uma garota do seu trabalho, que parece a branca de neve?

- Ah... A Didi cê quer dizer?

- Isso. Ela mesma. Como vão as coisas? Tão namorando?

- Não. As coisas continuam enroladas.

- Como é possível? Já são quase três meses!

- Também não entendo.

- Cê chegou a falar de compromisso?

- Sabe que me faço de durão, Belle. Que não gosto de me expor.

- É, sei.

- Mas sim, eu cheguei sim, ainda que de forma sutil.

- E ela?

- Ela disse que quer manter-se livre, que não quer namorar no momento e que não sabe mais viver se não for dessa forma, apesar de me amar e se atrair por mim, não quer viver esse tipo de coisa.

- Que absurdo.

- Absurdo?

- É. A essa altura já era pra ter se decidido, te deixar em paz ou liberdade.

- Essa semana ela foi bastante carinhosa, como nunca foi antes, ela não me atrapalha com isso então não precisa "me deixar em paz".

- Acha que o coração dela é lento pra se entregar?

- Talvez, pode ser.

- Não acha que ela faz isso pra te controlar?

- Ela não é disso, não é gananciosa. Não me pede... "Coisas".

- Sim, mas e se ela quiser apenas manter você como uma alternativa fácil pra caso os outros rolos dela darem errado?

- Nunca parei pra pensar nisso...

- Dela estar te controlando?

- Não, dela ter outros rolos.

- Olha Vince, sério, inocência não combina com você. Eu acho que isso já deveria ter vingado. Se quer insistir, insista. Mas minha opinião como mulher é que ela tá só curtindo, por isso se recusa a firmar compromisso e assim que der na telha, vai pular fora. Se prepara.

- Não tem como eu ou você sabermos. Eu até tenho, você não tem. Não fomos longe demais nessas divagações?

- Acho que não, me parece muito palpável que seja justamente isso que esteja acontecendo.

- Tá, mas ainda que seja, não é algo que eu tenho controle, é? Não posso decidir por ela e talvez nem por mim mesmo!

- Mas isso não te dói? Nenhum pouquinho?

- Dói.

- Muito?

- Acho que sim.

- E ciúmes, sente ciúme dela?

- Um pouco, Belle, mas quem sou eu pra falar qualquer coisa? A vida é dela. Não posso cobrar o quê ela nem me deve. É uma escolha dela, eu, e você também, temos de respeitar.

- É... Isso é verdade.

- Hum-hum.

- Me desculpe por tocar no assunto.

- Sem problemas, relaxa.

Labelle sorriu maliciosamente. Finalmente havia achado a brecha na armadura, a brecha que estava procurando, perfeita. Riu.

- Você aí todo frio e impassível. Sempre quieto mesmo quando quer fazer um alvoroço.

- Como assim fazer alvoroço?

- Sei que você está irritado com isso.

- Não ganho nada fazendo alvoroço, não muda nada.

- E se fizer perde o quê?

- Minha paz. O sossego.

- Cê vai enlouquecer de qualquer jeito, às vezes é melhor fazer isso levando alguém junto.

- Tem razão, vou mesmo enlouquecer. Mas por que arrastar alguém pra minha loucura? É ridículo. A Didi tem os problemas dela, tem as dores e motivos dela. Eu tenho os meus e prefiro sofrer sozinho, não tem nada de errado nisso, as pessoas raramente na minha vida me ofereceram qualquer apoio ou conforto, ao contrário, só me causaram mais dor. Não quero ser igual a elas.

- Sabe Vince...

- O quê?

- Por trás dessa sua racionalidade, dessa sua busca constante pelo que é certo e pelo sentido das coisas, pelo que faz sentido, existe um cara muito sensível, sentimental.

- Do quê cê tá falando?

- Eu jamais sofreria sozinha. Machucaria de propósito para que o outro me entendesse. Sei pelas nossas outras conversas que seu apreço por si próprio é pequeno, cê é sempre rígido consigo mesmo e nunca tá satisfeito. Se acha fraco.

- Eu sou fraco, em especial no coração... Sabe disso!

- Não, não é!

- Como não?

- Isso, sofrer sozinho, é de uma gentileza imensa. É preciso ter uma força descomunal pra ser gentil dessa jeito com quem, ainda por cima, é de certa forma a causa dessas dores.

- É o que me faz sentido: Eu sei que dói e por gostar dela não quero que sinta o mesmo. E não posso culpá-la pelos erros que comete.

- Olha o quanto você sacrifica da sua felicidade e bem estar apenas pelo bem estar dela! É bonito, isso eu admiro em você, sua capacidade de se doar e sacrificar sem fazer alarde. Nunca vi igual.

- Obrigado, Belle.

- Mas tenho dó.

- Por quê?

- Não dá pra saber se a pessoa que recebe essa gentileza é digna dela.

- Todos são dignos até provarem o contrário.

- Tomara que ela seja.

- Eu espero que sim também, mas deixa que eu cuido disso, ok?

- Ok.

Pagaram a conta, Vince subiu na garupa da moto de Belle e logo estava voltando pra casa. Belle foi embora. Serão meses até ela ligar de novo e propor uma dessas loucuras. Vince pensou nisso tudo, e sabia que os conselhos eram dados com boas intenções, apesar de serem infundados às vezes e quase nunca serviam-lhe pra qualquer coisa, mas estava tão cansado que não conseguia se concentrar. Pensou em Didi, pois agora questionava o que sentia:

"Possível amor?"

Era muito possível que a amasse mas não conseguia entender, Vince era capaz de explicar muita coisa, mas não o amor, ele nunca fazia sentido, por mais que se pensasse a respeito.

A rotina estava tão estressante que não havia tempo para questões profundas. Não agora. Por hora, só havia a cama, e quando não houve mais, lá por volta do amanhecer quando se levantou sentindo sede e confusão, sobrou a dúvida se todo esse diálogo e passeio e possível amor não passou de delírio de sonho. Coisa de maluco de primeira linha.

Mas quem disse que ele é um protagonista normal?

Para isso é que existe Hollywood...

Vinícius Risério Custódio
Enviado por Vinícius Risério Custódio em 11/03/2015
Reeditado em 15/11/2015
Código do texto: T5166550
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.